sábado, 26 de fevereiro de 2011

32 - A Índia no início do século XX

Pessoal, segue um texto de minha autoria sobre a Índia nas décadas que antecederam a Primeira Guerra Mundial. Utilizem-no como referência para o esquema da aula sobre o nacionalismo e o contexto internacional de 1895-1914.

Antecedentes

Até a década de 1940, o nome “Índia”, usado no Ocidente, referia-se a um território maior do que o da atual República da Índia (Bharat Juktarashtra). Além da Índia de hoje, incluía também o Paquistão, Bangladesh, Nepal, Butão e Sri Lanka, no total um território com cerca de 4,5 milhões de km2 constituindo o chamado “subcontinente indiano”. Em 1900, a sua população era de 300 milhões de pessoas.

Nesse sentido de uma grande Índia, em meados do século XV não existia um povo ou nação indiana unificada. Na época, mais do que hoje, havia na Índia uma enorme diversidade étnica e cultural, com 1600 línguas e dialetos e 200 escritas diferentes. O país estava fragmentado politicamente em vários Estados, divididos em duas grandes zonas culturais: o norte islâmico e o centro e sul hinduísta. Nos séculos XV-XVII, os europeus (portugueses, holandeses, ingleses e franceses) estabeleceram feitorias no litoral da Índia, buscando o comércio de especiarias. A presença européia ocorreu por meio de empresas mercantis – as Companhias das Índias Orientais. Destas, a mais importante, a longo prazo, foi a inglesa (EIC ou East Indian Company). Contudo, o fato mais marcante nesse período da história indiana foi, no início do século XVI, a invasão de um grupo turco-mongol muçulmano, originário do Afeganistão, que estabeleceu o Império Mughal no norte da Índia, com capital em Delhi. No século XVII, a maior parte da Índia ficou sob controle dos mughals. No entanto, em 1700-1760, o poder mughal declinou e os conflitos entre muçulmanos e hindus aumentaram. Os europeus começaram, então, a expandir a sua influência na Índia. França e Grã-Bretanha disputaram o controle da costa leste do país e fizeram alianças com os monarcas e as elites indianas. Na Guerra dos Sete Anos (1756-1763) os britânicos derrotaram os franceses e a Grã-Bretanha (a EIC) virou a potência hegemônica na Índia.

A conquista britânica (1760-1850)

Entre o final do século XVIII e a primeira metade do século XIX, a Grã-Bretanha, por intermédio da EIC, conquistou grande parte da Índia, que se transformou na principal colônia do seu império. A expansão britânica partiu do litoral leste e, principalmente, do nordeste (região de Bengala, que incluía o atual Bangladesh), onde estava situada a capital colonial, Calcutá.  Em 1804, o imperador mughal Shah Alam II aceitou formalmente a proteção da EIC. No ano seguinte, o exército mughal foi dissolvido. O Estado mughal (chamado pelos britânicos de “Reino de Delhi”) continuou existindo, mas as áreas sob seu controle eram administradas, de fato, por britânicos (oficialmente como “servidores” do governo mughal). Com efeito, o domínio britânico se deu de forma direta sobre alguns territórios e em outros de forma indireta (Estados vassalos ou protetorados, governados por príncipes como os rajás hinduístas e os nababos muçulmanos, ou pelo monarca mughal). Parte das elites indianas aliou-se aos britânicos. Mercenários indianos hindus e muçulmanos conhecidos como cipaios foram incorporados ao exército colonial britânico (na década de 1850, eram 200 mil cipaios e 40 mil britânicos nas forças coloniais). Sob o colonialismo da EIC, principalmente na administração do governador-geral Marquês de Dalhousie (1848-1856), a Índia começou a ser parcialmente modernizada (ferrovias, sistema postal, telégrafo). Contudo, a anexação de principados autônomos, o conflito cultural (hábitos e valores ocidentais chocavam-se com os costumes hindus e islâmicos), a taxação excessiva dos camponeses e a ruína do artesanato local diante da concorrência dos produtos industriais da metrópole causaram muita insatisfação entre diversos setores da população indiana.

A Revolta dos Cipaios: o Grande Motim Indiano (1857-1858)

Na década de 1850, a insatisfação com a dominação britânica espalhou-se também entre parte dos cipaios. Em 1857, as tropas cipaias do norte e centro da Índia rebelaram-se. O motim obteve a adesão de príncipes e da população civil. O último imperador mughal, Bahadur Shah também apoiou a revolta e formalmente assumiu sua liderança. Massacres foram praticados pelos dois lados. Contudo, o fraco comando dos rebeldes, a sua escassez de recursos, a falta de apoio de outras partes do país e a organização superior dos britânicos resultaram no fracasso da rebelião, sufocada em 1858 pela EIC com ajuda de nativos sikhs e gurkhas. Como conseqüência da rebelião, que teve pelo menos 100 mil mortos, a monarquia mughal foi abolida (Bahadur Shah foi exilado na Birmânia) e a Grã-Bretanha consolidou o seu domínio colonial. Mas a EIC perdeu o controle sobre a Índia, que passou a ser exercido pelo governo britânico.

O Raj (1858-1947)

Sob a administração colonial do Estado britânico, a Índia foi oficialmente chamada de Império Indiano, Raj Britânico ou, simplesmente, Raj (do sânscrito raja: “rei”). O governo colonial era exercido por um Vice-Rei. Em 1877, a rainha Vitória assumiu o título de “Imperatriz da Índia”. O Raj era composto pela atual Índia, Paquistão, Bangladesh, Birmânia e partes da Península Arábica. O Sri Lanka (Ceilão) era uma colônia separada. O Nepal e Butão continuaram sendo Estados independentes sob influência britânica. A capital do Raj ficou em Calcutá (transferida em 1912 para Nova Delhi). O sistema de dominação direta e indireta foi aperfeiçoado: 60% do território indiano eram diretamente governados pelos britânicos e 40% por príncipes com autonomia para tratar dos seus assuntos domésticos (eram aproximadamente 700 principados aliados da Grã-Bretanha). O exército colonial continuou utilizando cipaios, mas o número de britânicos aumentou (em 1914 de 155 mil soldados, 65 mil eram britânicos). A modernização do país foi acelerada e a agricultura comercial avançou, mas a produção artesanal permaneceu em agudo declínio diante dos têxteis britânicos importados. Em parte por causa da alteração das estruturas agrárias tradicionais e da elevação das taxas sobre os camponeses, o que reduziu as reservas de alimentos da população pobre rural, mas também em grande medida por causa das secas, a fome assolou a Índia em 1876-1879 e 1896-1902, matando entre 12 milhões e 30 milhões de indianos – uma evidência de que a Belle Époque foi uma realidade mais ocidental do que mundial.

O Raj era a colônia mais importante da Grã-Bretanha, mas, devido ao tamanho da sua população, ela não comportou o tipo de povoamento por imigrantes britânicos como o que ocorreu no Canadá, Austrália, Nova Zelândia ou mesmo na África do Sul. Na verdade, de uma forma geral, a metrópole preservou grande parte das culturas nativas e estimulou as diferenças entre hindus e muçulmanos, seguindo a estratégia de “dividir para reinar”.

No entanto, o impacto da modernização e a circulação de idéias políticas ocidentais fortaleceram a elite urbana comercial e letrada, favorecendo o desenvolvimento do nacionalismo entre os nativos. Em 1885, um grupo de intelectuais hindus e simpatizantes britânicos da organização ocultista Sociedade Teosófica fundou o Congresso Nacional Indiano (INC – Indian National Congress), que se transformou no principal partido da Índia. Inicialmente, sua plataforma não era a independência, mas obter mais direitos e autonomia para os indianos. Em 1907, ele se dividiu em uma ala moderada (liderada por Gokhale, que controlou o INC até sua morte em 1915), favorável a uma composição com o Raj, e uma ala radical (chefiada por Tilak, que assumiu a liderança do INC em 1916-1920), pró-independência. Depois da Primeira Guerra Mundial, Gandhi virou a figura dominante do INC. O Congresso Nacional Indiano atraiu poucos muçulmanos e, em 1906, lideranças islâmicas fundaram uma outra organização nacionalista – a Liga Muçulmana de Toda a Índia ou, simplesmente, Liga Muçulmana. Seu primeiro dirigente e um dos seus fundadores foi Aga Khan III, um imã (chefe espiritual xiita). A Liga Muçulmana só ganhou força na população islâmica da Índia a partir da Primeira Guerra Mundial. Em 1909, representantes indianos passaram a ser eleitos para as Assembléias Legislativas locais, embora o seu poder de legislar fosse limitadoDe toda forma, já antes do conflito de 1914, a Grã-Bretanha viu gradualmente seu domínio colonial ser contestado por forças mais organizadas e fundamentadas em argumentos ideológicos modernos, de origem ocidental (nacionalismo, soberania popular, igualdade de direitos, justiça social). A Primeira Guerra Mundial fortaleceria ainda mais esses movimentos.

 Sugestões de leituras. Não conheço nenhum livro em português, ainda editado, sobre a história da Índia. O de Jean Chesneaux, A Ásia Oriental nos Séculos XIX e XX (São Paulo, Pioneira/EDUSP, 1985), está esgotado. Dois bons livros em inglês são A New History of India, de Stanley Wolpert (Oxford University Press, 1997; usei a quinta edição, mas existe uma sexta mais atualizada) e A Concise History of Modern India de Barbara D. Metcalf (Cambridge University Press, 2006). Um livro excelente sobre a Revolta dos Cipaios é o The Indian Mutiny 1857-58, de Gregory Fremont-Barnes, da coleção Essential Histories da editora britânica Osprey (2007), especializada em assuntos militares. O livro é pequeno (menos de 100 páginas), mas é ricamente ilustrado. Uma obra em dois volumes lançada em 2008 que trata detalhadamente da Revolta dos Cipaios, mas que eu não li (ela é cara, mais de 100 dólares cada volume) e que vem gerando uma grande polêmica é a War of Civilizations – India AD 1857 Volume I The Road to Delhi e Volume II The Long Revolution, de Amaresh Misra (publicado pela editora indiana Rupa). De acordo com o autor, a repressão britânica após o motim resultou em mais de dez milhões de mortos, assumindo feições de um genocídio.

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