sábado, 26 de fevereiro de 2011

33 - Esquema de aula: Índia no início do século XX

Pessoal, segue o esquema da aula sobre a Índia nas décadas que antecederam a Primeira Guerra Mundial. Utilizem a postagem 32, com o texto detalhado correspondente, como referência para esse esquema.

Índia

Principal colônia britânica

1760-1850. Expansão colonial britânica na Índia

Feita pela Companhia das Índias Orientais (EIC – East Indian Company)

Favorecida pela divisão da Índia em diversos Estados independentes, principalmente hindus e muçulmanos
– O principal Estado indiano: Império Mughal (islâmico e decadente)

Início da modernização parcial da Índia (ferrovias, sistema postal, telégrafo)

Aumento da tributação dos camponeses e ruína do artesanato nativo (concorrência de têxteis britânicos)

1857-1858. Revolta dos Cipaios

Grande motim dos mercenários indianos a serviço do exército colonial britânico

Apoio da população civil e dos mughals: tentativa de independência

Fracassou. Consequências:
– Abolição da monarquia mughal
– A EIC perdeu o controle sobre a Índia, assumido pelo governo britânico

1858-1947. O Raj: Império Indiano Britânico

Governado por um Vice-Rei britânico

Dominação direta/formal (60% dos territórios) e dominação indireta/infomal (40%, com principados autônomos)

Continuação da modernização parcial, do crescimento da tributação, do avanço da agricultura mercantil e da ruína do artesanato local

Grande parte das culturas nativas foi preservada e as diferenças entre hindus e muçulmanos foram estimuladas (“Dividir para reinar”)

Mas a modernização e a influência de idéias políticas ocidentais favoreceram o avanço do nacionalismo

1885. Criação do Congresso Nacional Indiano: principal organização nacionalista hindu

1906. Criação da Liga Muçulmana: principal organização nacionalista islâmica

32 - A Índia no início do século XX

Pessoal, segue um texto de minha autoria sobre a Índia nas décadas que antecederam a Primeira Guerra Mundial. Utilizem-no como referência para o esquema da aula sobre o nacionalismo e o contexto internacional de 1895-1914.

Antecedentes

Até a década de 1940, o nome “Índia”, usado no Ocidente, referia-se a um território maior do que o da atual República da Índia (Bharat Juktarashtra). Além da Índia de hoje, incluía também o Paquistão, Bangladesh, Nepal, Butão e Sri Lanka, no total um território com cerca de 4,5 milhões de km2 constituindo o chamado “subcontinente indiano”. Em 1900, a sua população era de 300 milhões de pessoas.

Nesse sentido de uma grande Índia, em meados do século XV não existia um povo ou nação indiana unificada. Na época, mais do que hoje, havia na Índia uma enorme diversidade étnica e cultural, com 1600 línguas e dialetos e 200 escritas diferentes. O país estava fragmentado politicamente em vários Estados, divididos em duas grandes zonas culturais: o norte islâmico e o centro e sul hinduísta. Nos séculos XV-XVII, os europeus (portugueses, holandeses, ingleses e franceses) estabeleceram feitorias no litoral da Índia, buscando o comércio de especiarias. A presença européia ocorreu por meio de empresas mercantis – as Companhias das Índias Orientais. Destas, a mais importante, a longo prazo, foi a inglesa (EIC ou East Indian Company). Contudo, o fato mais marcante nesse período da história indiana foi, no início do século XVI, a invasão de um grupo turco-mongol muçulmano, originário do Afeganistão, que estabeleceu o Império Mughal no norte da Índia, com capital em Delhi. No século XVII, a maior parte da Índia ficou sob controle dos mughals. No entanto, em 1700-1760, o poder mughal declinou e os conflitos entre muçulmanos e hindus aumentaram. Os europeus começaram, então, a expandir a sua influência na Índia. França e Grã-Bretanha disputaram o controle da costa leste do país e fizeram alianças com os monarcas e as elites indianas. Na Guerra dos Sete Anos (1756-1763) os britânicos derrotaram os franceses e a Grã-Bretanha (a EIC) virou a potência hegemônica na Índia.

A conquista britânica (1760-1850)

Entre o final do século XVIII e a primeira metade do século XIX, a Grã-Bretanha, por intermédio da EIC, conquistou grande parte da Índia, que se transformou na principal colônia do seu império. A expansão britânica partiu do litoral leste e, principalmente, do nordeste (região de Bengala, que incluía o atual Bangladesh), onde estava situada a capital colonial, Calcutá.  Em 1804, o imperador mughal Shah Alam II aceitou formalmente a proteção da EIC. No ano seguinte, o exército mughal foi dissolvido. O Estado mughal (chamado pelos britânicos de “Reino de Delhi”) continuou existindo, mas as áreas sob seu controle eram administradas, de fato, por britânicos (oficialmente como “servidores” do governo mughal). Com efeito, o domínio britânico se deu de forma direta sobre alguns territórios e em outros de forma indireta (Estados vassalos ou protetorados, governados por príncipes como os rajás hinduístas e os nababos muçulmanos, ou pelo monarca mughal). Parte das elites indianas aliou-se aos britânicos. Mercenários indianos hindus e muçulmanos conhecidos como cipaios foram incorporados ao exército colonial britânico (na década de 1850, eram 200 mil cipaios e 40 mil britânicos nas forças coloniais). Sob o colonialismo da EIC, principalmente na administração do governador-geral Marquês de Dalhousie (1848-1856), a Índia começou a ser parcialmente modernizada (ferrovias, sistema postal, telégrafo). Contudo, a anexação de principados autônomos, o conflito cultural (hábitos e valores ocidentais chocavam-se com os costumes hindus e islâmicos), a taxação excessiva dos camponeses e a ruína do artesanato local diante da concorrência dos produtos industriais da metrópole causaram muita insatisfação entre diversos setores da população indiana.

A Revolta dos Cipaios: o Grande Motim Indiano (1857-1858)

Na década de 1850, a insatisfação com a dominação britânica espalhou-se também entre parte dos cipaios. Em 1857, as tropas cipaias do norte e centro da Índia rebelaram-se. O motim obteve a adesão de príncipes e da população civil. O último imperador mughal, Bahadur Shah também apoiou a revolta e formalmente assumiu sua liderança. Massacres foram praticados pelos dois lados. Contudo, o fraco comando dos rebeldes, a sua escassez de recursos, a falta de apoio de outras partes do país e a organização superior dos britânicos resultaram no fracasso da rebelião, sufocada em 1858 pela EIC com ajuda de nativos sikhs e gurkhas. Como conseqüência da rebelião, que teve pelo menos 100 mil mortos, a monarquia mughal foi abolida (Bahadur Shah foi exilado na Birmânia) e a Grã-Bretanha consolidou o seu domínio colonial. Mas a EIC perdeu o controle sobre a Índia, que passou a ser exercido pelo governo britânico.

O Raj (1858-1947)

Sob a administração colonial do Estado britânico, a Índia foi oficialmente chamada de Império Indiano, Raj Britânico ou, simplesmente, Raj (do sânscrito raja: “rei”). O governo colonial era exercido por um Vice-Rei. Em 1877, a rainha Vitória assumiu o título de “Imperatriz da Índia”. O Raj era composto pela atual Índia, Paquistão, Bangladesh, Birmânia e partes da Península Arábica. O Sri Lanka (Ceilão) era uma colônia separada. O Nepal e Butão continuaram sendo Estados independentes sob influência britânica. A capital do Raj ficou em Calcutá (transferida em 1912 para Nova Delhi). O sistema de dominação direta e indireta foi aperfeiçoado: 60% do território indiano eram diretamente governados pelos britânicos e 40% por príncipes com autonomia para tratar dos seus assuntos domésticos (eram aproximadamente 700 principados aliados da Grã-Bretanha). O exército colonial continuou utilizando cipaios, mas o número de britânicos aumentou (em 1914 de 155 mil soldados, 65 mil eram britânicos). A modernização do país foi acelerada e a agricultura comercial avançou, mas a produção artesanal permaneceu em agudo declínio diante dos têxteis britânicos importados. Em parte por causa da alteração das estruturas agrárias tradicionais e da elevação das taxas sobre os camponeses, o que reduziu as reservas de alimentos da população pobre rural, mas também em grande medida por causa das secas, a fome assolou a Índia em 1876-1879 e 1896-1902, matando entre 12 milhões e 30 milhões de indianos – uma evidência de que a Belle Époque foi uma realidade mais ocidental do que mundial.

O Raj era a colônia mais importante da Grã-Bretanha, mas, devido ao tamanho da sua população, ela não comportou o tipo de povoamento por imigrantes britânicos como o que ocorreu no Canadá, Austrália, Nova Zelândia ou mesmo na África do Sul. Na verdade, de uma forma geral, a metrópole preservou grande parte das culturas nativas e estimulou as diferenças entre hindus e muçulmanos, seguindo a estratégia de “dividir para reinar”.

No entanto, o impacto da modernização e a circulação de idéias políticas ocidentais fortaleceram a elite urbana comercial e letrada, favorecendo o desenvolvimento do nacionalismo entre os nativos. Em 1885, um grupo de intelectuais hindus e simpatizantes britânicos da organização ocultista Sociedade Teosófica fundou o Congresso Nacional Indiano (INC – Indian National Congress), que se transformou no principal partido da Índia. Inicialmente, sua plataforma não era a independência, mas obter mais direitos e autonomia para os indianos. Em 1907, ele se dividiu em uma ala moderada (liderada por Gokhale, que controlou o INC até sua morte em 1915), favorável a uma composição com o Raj, e uma ala radical (chefiada por Tilak, que assumiu a liderança do INC em 1916-1920), pró-independência. Depois da Primeira Guerra Mundial, Gandhi virou a figura dominante do INC. O Congresso Nacional Indiano atraiu poucos muçulmanos e, em 1906, lideranças islâmicas fundaram uma outra organização nacionalista – a Liga Muçulmana de Toda a Índia ou, simplesmente, Liga Muçulmana. Seu primeiro dirigente e um dos seus fundadores foi Aga Khan III, um imã (chefe espiritual xiita). A Liga Muçulmana só ganhou força na população islâmica da Índia a partir da Primeira Guerra Mundial. Em 1909, representantes indianos passaram a ser eleitos para as Assembléias Legislativas locais, embora o seu poder de legislar fosse limitadoDe toda forma, já antes do conflito de 1914, a Grã-Bretanha viu gradualmente seu domínio colonial ser contestado por forças mais organizadas e fundamentadas em argumentos ideológicos modernos, de origem ocidental (nacionalismo, soberania popular, igualdade de direitos, justiça social). A Primeira Guerra Mundial fortaleceria ainda mais esses movimentos.

 Sugestões de leituras. Não conheço nenhum livro em português, ainda editado, sobre a história da Índia. O de Jean Chesneaux, A Ásia Oriental nos Séculos XIX e XX (São Paulo, Pioneira/EDUSP, 1985), está esgotado. Dois bons livros em inglês são A New History of India, de Stanley Wolpert (Oxford University Press, 1997; usei a quinta edição, mas existe uma sexta mais atualizada) e A Concise History of Modern India de Barbara D. Metcalf (Cambridge University Press, 2006). Um livro excelente sobre a Revolta dos Cipaios é o The Indian Mutiny 1857-58, de Gregory Fremont-Barnes, da coleção Essential Histories da editora britânica Osprey (2007), especializada em assuntos militares. O livro é pequeno (menos de 100 páginas), mas é ricamente ilustrado. Uma obra em dois volumes lançada em 2008 que trata detalhadamente da Revolta dos Cipaios, mas que eu não li (ela é cara, mais de 100 dólares cada volume) e que vem gerando uma grande polêmica é a War of Civilizations – India AD 1857 Volume I The Road to Delhi e Volume II The Long Revolution, de Amaresh Misra (publicado pela editora indiana Rupa). De acordo com o autor, a repressão britânica após o motim resultou em mais de dez milhões de mortos, assumindo feições de um genocídio.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

31 - Esquema de aula: o nacionalismo e a China

Pessoal, segue a continuação do esquema da aula “Problemas no sistema internacional de 1895-1914” (postagem 23). O texto com o conteúdo mais detalhado desse esquema está na postagem 30 (“A China no início do século XX”)


b.4 O impacto do nacionalismo

Movimentos pela autodeterminação nacional

– Independência (separatismo) de povos dominados por outros povos, como nos impérios coloniais e nos Estados multiétnicos

– Restauração da soberania política plena de um Estado que estava com o seu poder limitado pelo imperialismo de outras potências

– Unificação nacional (unidade política) de um povo dividido entre Estados diferentes: princípio do “mesmo povo, um único Estado nacional”

Esses movimentos ameaçavam os impérios coloniais, os Estados multiétnicos e o já precário equilíbrio do poder entre as grandes potências, causando mais desestabilização da ordem internacional.

No início do século XX, os movimentos antiimperialistas eram mais fortes na Ásia, influenciados pelas próprias concepções ocidentais de nacionalismo e soberania popular.

China

Império Chinês sob a monarquia autoritária da dinastia Qing ou Manchu

1839-1842. Guerra do Ópio: a Grã-Bretanha derrota a China, anexa Hong Kong e obtém vantagens comerciais

1845-1900. Expansão da dominação estrangeira: imposição de tratados desiguais (favoráveis às potências imperialistas) e divisão da China em zonas de influência estrangeira

– A China continuou formalmente independente, mas na prática sua soberania foi drasticamente limitada

– Crescimento da xenofobia e do nacionalismo entre os chineses

1899-1900. Revolta dos Boxers: revolta popular liderada pela organização xenófoba dos Boxers com apoio da monarquia (imperatriz Cixi). Fracassou.

1905. Fundação da Aliança Revolucionária Chinesa: liderada por Sun Yixian (Sun Yat-sen)

– Republicanismo com defesa dos “Três Princípios do Povo”: nacionalismo, democracia e bem-estar social

– Originou o Partido Nacionalista ou Guomindang (Kuomintang – KMT) de 1912

1911-1912. Revolução Chinesa de 1911

– Derrubada da monarquia (imperador Puyi) e instalação da república (12 fevereiro 1912)

– Motivos: insatisfação com a corrupção da monarquia e sua impotência diante da dominação estrangeira, crescente sentimento antimanchu

– Sun Yixian tenta assumir a presidência em um governo provisório, mas não obtém apoio suficiente do exército

– A presidência foi assumida pelo general Yuan Shikai (1912-1915)

– Problemas: autoritarismo e corrupção do governo Shikai; confronto entre Shikai e o KMT; governo central perdeu o controle sobre várias províncias; a China continuou enfraquecida e submetida ao imperialismo europeu e japonês

30 - A China no início do século XX

Pessoal, segue um texto de minha autoria sobre a China nas décadas que antecederam a Primeira Guerra Mundial. Utilizem-no como referência para o esquema da aula sobre o nacionalismo e o contexto internacional de 1895-1914

A China no início do século XX

Antecedentes

Na Idade Média e na Idade Moderna, o Império Chinês era o mais rico e poderoso reino do mundo. Até o início do século XIX, o Estado chinês (um regime despótico dirigido por uma poderosa burocracia, encabeçado pela dinastia Manchu ou Qing, 1644-1912) se manteve relativamente isolado da Europa. A China possuía uma economia agrária pré-capitalista, com uma grande produção artesanal e manufatureira que a tornava em grande medida auto-suficiente. Seu comércio com a Europa tinha muitas restrições, limitado aos portos de Guangzhou (Cantão) e Macau (possessão portuguesa), e era superavitário – o país pouco importava dos europeus e acumulava prata usada pelos mercadores ocidentais para pagar as compras de chá, seda e porcelana chinesas. Os europeus procuraram compensar essas desvantagens com o contrabando de ópio, praticado principalmente pelos britânicos e seus associados chineses ligados à Companhia das Índias Orientais ou EIC (a maior parte do ópio vinha da Índia).

A Guerra do Ópio (1839-1842)

O crescimento do contrabando de ópio na década de 1830 trouxe vários problemas para a China, como o aumento do número de viciados e da corrupção em Cantão (funcionários envolvidos no contrabando), e a perda de prata, usada para comprar ópio. O imperador Daoguang (1820-1850) reagiu intensificando a repressão ao contrabando, o que prejudicou os interesses da EIC e causou um conflito armado com a Grã-Bretanha. Na conseqüente Guerra do Ópio a China foi derrotada e obrigada a assinar o Tratado de Nanjing ou Nanquim (1842): Hong Kong foi cedida aos britânicos (devolvida à China em 1999) e outros portos foram abertos ao comércio internacional.

A dominação estrangeira na segunda metade do século XIX

A Guerra do Ópio iniciou não apenas a abertura comercial chinesa, mas também a fase do imperialismo ocidental (e depois japonês) na China, caracterizado pelos tratados desiguais (desvantajosos para os chineses) e pela divisão do país em áreas de influência (dominação) estrangeira. A penetração ocidental enfraqueceu o Estado chinês e, junto com o agravamento dos problemas sociais e econômicos do país, desencadeou a Rebelião Taiping (1850-1864), uma gigantesca revolta camponesa contra a monarquia Qing. Com dificuldade e ajuda do Ocidente (que temia o colapso da autoridade e o caos político na China), os Qing reprimiram o movimento, mas ficaram mais debilitados. Em uma Segunda Guerra do Ópio ou Guerra do Arrow (1856-1860), agora contra a Grã-Bretanha e França, a China foi novamente derrotada e obrigada a fazer mais concessões. Uma tentativa de modernizar o país com reformas limitadas que deveriam fortalecer o Estado fracassou (o Movimento do Auto-Fortalecimento 1865-1890). Na mesma época, o Japão adotou com sucesso um projeto mais radical com objetivos semelhantes e, fortalecido, lançou-se contra a China. Na Guerra Sino-Japonesa (1894-1895), os chineses foram derrotados pelos japoneses, que tomaram Taiwan e começaram a exercer uma crescente influência sobre a Coréia e a Manchúria. A expansão japonesa desencadeou a Partilha das Concessões (1896-1899) – a divisão da China em zonas de influência entre as potências européias. A monarquia Qing, na prática, tinha perdido a soberania sobre a China, que virou uma semicolônia européia e japonesa.

A Revolta dos Boxers (1899-1900)

A humilhante dominação estrangeira resultou no crescimento da xenofobia e do nacionalismo entre os chineses. Organizações secretas foram criadas com a intenção de expulsar os ocidentais e os japoneses do país. Entre elas a dos Boxers (“Lutadores dos Punhos Sagrados”), que lideraram em 1899-1900 uma grande revolta popular contra os estrangeiros. A Revolta dos Boxers foi inicialmente também voltada contra os Qing, mas a imperatriz-regente Cixi (1861-1908), buscando sustentação popular, apoiou os revoltosos e entrou em guerra contra as potências imperialistas. Contudo, a maioria dos governadores provinciais não aderiu ao movimento, que acabou sendo sufocado pelas forças ocidentais e japonesas. A derrota chinesa ampliou o controle estrangeiro no país. O apoio interno aos Qing desapareceu completamente. Mas as rivalidades e divergências entre as potências impediram que elas dividissem totalmente a China entre si e acabassem com o Estado chinês. De fato, na mesma época, os EUA (presidente William McKinley, 1897-1901, e seu Secretário de Estado John Hay) propuseram a Política de Portas Abertas para as relações entre a China e o mundo – o livre-comércio e a igualdade de condições nas concessões chinesas. As demais potências, entretanto, não apoiaram a proposta.

A crise da monarquia chinesa

No início do século XX, a monarquia dos Qing ficou mais isolada e perdeu sua legitimidade. A derrota para as potências imperialistas durante a Revolta dos Boxers, o avanço da dominação estrangeira, problemas financeiros, a corrupção da Corte e do sistema imperial como um todo e a expansão das doutrinas políticas ocidentais (nacionalismo, liberalismo, democracia, socialismo). A oposição dos intelectuais dissidentes cresceu, sobretudo nas elites urbanas. Em 1905, um desses opositores, Sun Yixian (Sun Yat-sen), fundou a Tongmenghui ou Aliança Revolucionária Chinesa que defendia uma república baseada nos “Três Princípios do Povo”: nacionalismo, democracia e bem-estar social. Essa organização originou, em 1912, o Partido Nacionalista ou Guomindang (Kuomintang – KMT), o principal partido político da China até a década de 1940.

A Revolução Chinesa de 1911

A dinastia Qing tentou novamente fazer algumas reformas, mas elas foram insuficientes e por demais tardias. A crise do regime monárquico atingiu o ápice em 1911. Em outubro, em meio a motins do exército, eclodiu a revolução republicana sob a liderança da Aliança Revolucionária Chinesa. O último imperador, Puyi, abdicou em fevereiro de 1912. No entanto, Sun Yixian não conseguiu apoio suficiente dos militares para chefiar o governo, que foi assumido pelo general Yuan Shikai (presidente 1912-1915). Um parlamento foi criado (o KMT era o partido mais importante) em uma estrutura política inspirada no liberalismo. Mas a jovem república nasceu mergulhada em problemas de solução difícil, ao menos a curto e médio prazo, como a crise financeira, a dominação estrangeira e a ascensão de governadores independentes em várias províncias. O próprio Shikai, de comportamento autoritário, entrou em conflito com o Parlamento e o KMT. Em 1915, durante a Primeira Guerra Mundial, ele restaurou a monarquia e tentou governar como imperador até ser assassinado (1916). A China ficou, então, fragmentada politicamente nas mãos de chefes militares conhecidos como os “Senhores da Guerra”. Somente a partir do final da década de 1920, uma ordem centralizada começou a emergir no país sob a direção do sucessor de Sun Yixian (que morreu em 1925), Jiang Jieshi (Chiang Kai-shek).

Sugestões de leituras. Em português, existem dois bons livros que tratam desse período da história chinesa: China – Uma Nova História, de John K. Fairbanks (L&PM, 2006), e o Em Busca da China Moderna – Quatro Séculos de História, de Jonathan Spence (Companhia das Letras, 1996). 

29 - A Revolução Egípcia (II)

(Vejam a postagem 28)

Pessoal, mais um texto interessante sobre a crise política do Egito, agora contextualizando os acontecimentos do país no conturbado cenário do Oriente Médio das últimas três décadas. O texto tem vários links. Também está na Veja digital (www.veja.abril.com.br) e saiu no dia 2 de fevereiro de 2011.

Mundo árabe: constantes revoluções, mas sem democracia

O mundo árabe vive, nos últimos dias, uma onda de protestos antigoverno iniciada a partir da Revolução do Jasmim, na Tunísia. Lá, os manifestantes conseguiram tirar do poder o ditador Zine El Abidine Ben Ali, que comandava o país há 23 anos. Foi o estopim para que populares saíssem às ruas no Egito, Iêmen, Argélia, Sudão e Jordânia. Não é a primeira vez que revoltas populares fazem a história dar um de seus saltos à frente nos países islâmicos. Mas, em regiões com histórico tão delicado, a fúria das ruas faz emergir o risco de ascensão dos fundamentalistas.

Um dos ápices do furor revolucionário no Oriente Médio foi a derrubada da monarquia e a criação da primeira república islâmica no Irã, em 1979. Como resultado dessa revolução, o Irã é hoje o único país da região absolutamente teocrático, ou seja, dirigido pelo clero muçulmano a partir não de leis votadas em parlamento, e sim das regras do Corão. O regime permitiu que radicais como Mahmoud Ahmadinejad chegassem à Presidência. Eleito em 2005 com o voto dos miseráveis da periferia das cidades iranianas, Ahmadinejad costuma chocar o mundo com suas ameaças verbais e demonstrações de força.

Ao fraudar pateticamente as eleições iranianas para reeleger-se, em 2009Ahmadinejad deu início a uma outra onda de protestos que agitou o mundo árabe. Naquele ano, porém, a violência das forças de segurança conseguiu conter a fúria dos manifestantes. Ao menos 10 jovens morreram pelas mãos da polícia durante as manifestações – entre eles Neda, a garota que se tornou símbolo da truculência dos regimes autoritários. Ela foi morta com um tiro na cabeça diante das câmeras em um protesto. As manifestações no Irã tornaram-se o mais extraordinário exemplo das potencialidades do Twitter. Muitos iranianos recorriam à rede para organizar protestos e denunciar abusos do governo. O movimento chegou a ser saudado como “revolução do Twitter”.

Em 2005, foi a vez do Líbano ser palco de manifestações da vontade popular no mundo árabe. Pela primeira vez, a palavra intifada – rebelião, em árabe – foi usada nessa parte do mundo para caracterizar um movimento inteiramente pacífico. Pela primeira vez, enormes massas saíram às ruas pedindo o básico em boa parte do planeta, mas mercadoria escassa entre seus vizinhos: liberdade, soberania, justiça. Pela primeira vez, guiadas pelo mais arrebatado realismo, pediram – e conseguiram – o impossível: a retirada das tropas sírias que entraram no país em 1976. O país, porém, vive numa corda bamba constante na tentativa de equilibrar as variadas facções religiosas e políticas que se estabeleceram desde a guerra civil de 1990. Ronda o Líbano também o perigo de ascensão do Hezbollah, o cada vez mais poderoso movimento político, religioso e militar dos radicais xiitas.

Assim como se viu na Tunísia, a onda de manifestações no Líbano deu origem a uma série de outras. No Iraque, o protesto não foi na porta da embaixada americana, mas na da Jordânia, acusada de facilitar a entrada no país das ondas de suicidas que, em nome da guerra aos Estados Unidos, trucidam diariamente civis iraquianos. No Catar, viu-se um ato de repúdio ao terrorismo, permeado por frases singelas como: “Residentes estrangeiros, nós amamos vocês”. As manifestações tiveram resultados, ainda que tímidos – eleições presidenciais pluripartidárias, mas não muito, no Egito e modestas eleições municipais na Arábia Saudita.

As fronteiras do mundo árabe foram riscadas na areia depois da I Guerra. A mistura mal costurada de tribos, povos, religiões nunca foi fácil de administrar. Talvez a solução esteja na democracia, sistema político que não experimentaram. A derrubada de um regime autoritário, contudo, infelizmente não garante que a ele se sucederá uma democracia com direitos e liberdades universais. Com a falência do nacionalismo laico e a quase inexistência de correntes identificadas com as tradições democráticas, o Islã politizado é praticamente a única alternativa hoje existente na vasta maioria do mundo muçulmano.

28 - A Revolução Egípcia (I)

Pessoal, seguem dois textos bem interessantes sobre os últimos acontecimentos no Egito. O primeiro texto trata da Irmandade Muçulmana, o principal grupo de oposição ao (ex) regime de Mubarak. O segundo texto é uma entrevista com o escritor egípcio Tarek Osman. Ambos saíram na edição eletrônica da Veja do dia 22 de fevereiro de 2011 (www.veja.abril.com.br)

Texto I
Irmandade Muçulmana: os fundamentalistas contra Mubarak
Maior e mais antigo grupo de oposição do Egito diz ter abdicado da violência, mas alguns membros continuam a apoiar terroristas pelo mundo árabe
Em 18 dias de intensos protestos nas ruas do Egito, representantes do grupo Irmandade Muçulmana fizeram coro com outros manifestantes pedindo a renúncia do presidente do país, Hosni Mubarak. No dia 11 de fevereiro, a "voz das ruas" prevaleceu e o ditador renunciou, deixando nas mãos do Exército a tarefa de governar até as eleições e abrir caminho para um regime democrático no país. Diante do receio dos ocidentais de que os fundamentalistas ameaçariam tal transição, membros da Irmandade afirmaram que não apresentarão um candidato à Presidência, porém anunciaram a formação de um partido político. Mas, afinal, em que consiste o movimento, quem são seus integrantes e qual sua força e participação nos recentes protestos?

A Irmandade Muçulmana é a maior e mais antiga organização islâmica do Egito e principal grupo opositor ao governo de Mubarak - apesar de nunca ter chegado a ser de fato um partido político. Fundado por Hassan Al Banna, em 1928, com o objetivo de espalhar os preceitos do Islã, o movimento teve suas ideias disseminadas rapidamente e, no fim da década de 1940, estimava-se que possuísse 2 milhões de seguidores no Egito. Logo o movimento ganhou ramificações em outras nações árabes, como a Síria e o Iraque. Em meados da década de 1950, a ascensão do teólogo Sayyid Qutb como liderança pôs a Irmandade Muçulmana na trilha do radicalismo. Qutb foi e continua sendo inspiração para grupos como o Hamas (palestino), o Hezbollah (libanês), e mesmo para a rede terrorista Al Qaeda - organizações às quais a Irmandade presta ajuda financeira.
Apesar de seus porta-vozes afirmarem ter adotado o caminho da moderação e da renúncia à violência, o movimento desperta temor e desconfiança no Egito e no Ocidente. Enquanto diz apoiar princípios democráticos, um de seus objetivos ainda é criar, gradualmente, um estado regido pela lei islâmica da Sharia. Seu mais conhecido slogan é: “O Islã é a solução”. Banido várias vezes pelo governo egípcio ao longo da história, o grupo ainda assim se infiltrou no parlamento com candidatos independentes que defendiam, além da liberalização da legislação partidária, a instauração das leis islâmicas no país. Na década de 1980, com a chegada de Mubarak ao poder, a Irmandade apostou em alianças com o partido Wafd, em 1984, e com os partidos dos trabalhadores e dos liberais, em 1987, tornando-se a principal força de oposição no Egito. Porém, em todos esses anos, assim como nos subsequentes, não conseguiu aprovar projetos de seu interesse.
Apenas nas eleições de 2005 o grupo voltou a ganhar expressão, alcançando a sua melhor marca: candidatos aliados independentes ganharam 20% das cadeiras da Assembléia Nacional. Embora não representasse uma ameaça imediata, diante das rigorosas leis impostas por Mubarak, o resultado surpreendeu o presidente por demonstrar a força do movimento. O governo logo lançou mão de novas medidas contra a Irmandade, detendo centenas de seus membros e instituindo um conjunto de reformas legais para sufocá-la. A constituição foi reescrita para estipular que nenhum tipo de atividade política poderia ser baseada na religião. Candidatos independentes foram proibidos de concorrer à presidência, e leis deram vastos poderes às forças de segurança para deter pessoas e desfazer reuniões políticas. Nas eleições parlamentares de novembro de 2010 (certamente manchadas por fraudes), 80% das cadeiras da Assembléia ficaram com o partido governista. A Irmandade não conseguiu um assento sequer.
Apoio e adesão - Sufocados por décadas de repressão, os grupos opositores possuem uma base popular restrita no Egito. Já a Irmandade Muçulmana, embora ilegal e com menos importância do que no passado, tem grande apoio entre as massas. Segundo Carrie Rosefsky Wickham, professora do departamento de Ciências Políticas da Universidade de Emory, em Atlanta, a aprovação popular do grupo estaria entre 20 e 40% - embora não existam dados oficiais que comprovem os números.
Em entrevista ao site de VEJA, o neto do fundador do movimento, Tariq Ramadan, afirma que a Irmandade não é um todo coeso. Ela abriga tradicionalistas da primeira geração, reformistas seduzidos pelo exemplo da revolução turca e radicais que desejam a imposição do islã pela violência. “Por trás da fachada de uma organização unificada e hierarquizada, existem linhas contraditórias, e não há um prognóstico fechado para o futuro do movimento”, diz ele.
Carrie e Ramadan concordam na avaliação de que a Irmandade não espera assumir o poder no curto prazo. "O repúdio à corrupção do regime de Mubarak era de fato um dos motores do movimento e, para se ver livre desse regime, a Irmandade buscará, ao menos num primeiro momento, partilhar o poder com outros grupos representativos da sociedade egípcia", diz Carrie. De acordo com Ramadan, as alas moderadas do movimento querem participar processo político e ter um papel no período de transição, mas sabem que não possuem representatividade suficiente para assumir o poder no momento
Confira a linha do tempo da Irmandade Muçulmana em http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/a-irmandade-muculmana

Texto II

‘É a vez do movimento liberal no Egito’, aposta escritor

Em livro publicado meses antes da queda de Mubarak, o egípcio Tarek Osman previu uma revolução com origem na classe média e liderada pelos jovens

Ao lançar o livro Egypt on the Brink: From Nasser to Mubarak (O Egito por um triz: De Nasser a Mubarak - tradução livre -, da editora da Univerdade de Yale, dos Estados Unidos), em novembro de 2010, o escritor egípcio Tarek Osman não imaginava que uma revolução forte o suficiente para derrubar o presidente Hosni Mubarak aconteceria tão rapidamente. Mas em suas pesquisas históricas encontrou pistas que previam que uma erupção popular estava prestes a ocorrer.

Evitando uma cronologia linear, Osman explora as principais transformações pelas quais o Egito passou desde a queda do rei Farouk, em 1952, passando pelos regimes de Gamal Abdel Nasser (novembro de 1954 - setembro de 1970), Anuar Sadat (outubro de 1970 - outubro de 1981) e Hosni Mubarak (outubro de 1981 - fevereiro de 2011). Dedicada a leigos, esta é uma das poucas obras que abrangem a história atual do Egito, depois que o glamour do país deu lugar à superpopulação e à pobreza.
O Egito tem atualmente mais de 80 milhões de habitantes, sendo que 30 milhões deles estão abaixo da linha de pobreza. O rápido crescimento populacional também explica o rejuvenescimento da população: o país conta com cerca de 45 milhões de jovens de menos de 30 anos. “Se não fossem os jovens, as demonstrações provavelmente não teriam acontecido nessa intensidade”, pontua o escritor, que estudou em universidades americana e italiana. Para ele, “o momento agora não é dos fundamentalistas, mas do movimento liberal no Egito".

Leia a seguir a entrevista com Tarek Osman na íntegra:

Há pistas na história do Egito que explicam os recentes protestos que derrubaram Mubarak?
Houve uma série de fatores que resultou nessa revolta, muitos deles são ligados a uma transformação na classe média. Na era Nasser, esse grupo contava, acomodado, com o apoio econômico de um governo assistencialista. Depois disso, com Sadat e Mubarak, o governo gradualmente começou a mudar sua estratégia econômica, abrindo espaço para a iniciativa privada. Isso levou naturalmente a uma grande transformação na qualidade de vida dos trabalhadores. Sem as garantias empregatícias do governo, setores tradicionais do grupo, como professores, médicos e engenheiros, começaram a sofrer problemas financeiros. Consequentemente, a legitimidade do regime também ficou abalada, reduzindo a tolerância das pessoas em relação àquela aparente democracia em que eles não tinham qualquer participação real.

No seu livro, o senhor dedica um capítulo inteiro aos jovens egípcios, que representam uma grande porcentagem da população do país e foram os protagonistas dos distúrbios. De que forma esse fator demográfico também colaborou para a queda do presidente? 
Eu diria que esse é o ponto mais importante. A população do país praticamente duplicou nos últimos 30 anos. Quando Mubarak chegou ao poder, em 1981, esse número não passava de 45 milhões de pessoas. Hoje, os egípcios já somam mais de 82 milhões, sendo que mais de 45 milhões deles são jovens - todos em busca de se beneficiar nessa transição socio-econômica. O ímpeto de mudanças de uma população tão jovem assim, somado à crescente pressão sobre a classe média e ao questionamento geral sobre a legitimidade do governo, resultou nas recentes revoltas, organizadas pelas redes sociais. Na minha opinião, se não fossem os jovens, as demonstrações provavelmente não teriam acontecido nessa intensidade.

Os opositores ao governo Mubarak sempre foram duramente reprimidos. Por que a população se sentiu forte o suficiente para manifestar com tanta força desta vez?
É importante destacar que não foi a oposição política do Egito, reprimida há décadas, que se movimentou para as manifestações. Quem iniciou a revolução foram cidadãos comuns, especialmente de setores da classe média, representados pelos jovens egípcios, e não por qualquer partido político. Há quem diga que o que impulsionou a revolta foram as eleições parlamentares de novembro de 2010, acusadas de terem sido fraudadas por Mubarak, mas eu acredito que o principal catalisador foi a pressão socio-econômica em cima da classe média, que precisava ser aliviada. 

Como foi a experiência de estar entre os egípcios no dia em que Mubarak renunciou?
Tive muita sorte de não precisar sair do país nas últimas cinco semanas. Foi um momento histórico, além de ter sido bastante inspirador. Principalmente pelo fato de aquelas milhares de pessoas representarem um número enorme de segmentos da sociedade - os manifestantes não estavam à frente de um único grupo ideológico. Acho que por isso a revolta foi tão poderosa a ponto de derrubar um regime.
Seu livro foi lançado em novembro de 2010. O senhor imaginou que uma revolta de tais proporções fosse estourar poucos meses depois?
Se eu dissesse que imaginava, estaria mentindo. Acho que muitas pessoas, inclusive eu, previram uma erupção no Egito, com origem na classe média e liderada pelos jovens. Para mim, isso certamente estava prestes a acontecer, mas quando, exatamente, era difícil de se prever. É certo que a idade de Mubarak estava em nossos pensamentos - ele fará 84 anos -, além dos fatores que já mencionei. Diante de qualquer fraqueza no sistema, certamente se iniciaria uma revolta. O que podemos dizer é que a Tunísia e as últimas eleições parlamentares abriram as portas para essa erupção acontecer.

De que forma a era Mubarak se diferencia das outras passadas, de Nasser e Sadat, em termos democráticos e de participação da oposição? 
O regime foi muito mais aberto economicamente do que o de Nasser, o que foi necessário com o rápido crescimento da população. Pela primeira vez em toda a história, o setor privado no Egito se tornou o maior empregador dos egípcios. Até então, era somente o setor público que empregava. Com isso, as pessoas se tornaram economicamente independentes do regime e, consequentemente, aptas a escutar suas próprias reclamações e a se opor ao governo. O estabilishment que sempre colocou os militares no topo, embora ainda exista, cedeu espaço nos últimos 10 anos também para grandes financiadores, numa sociedade cada vez mais capitalista, o que colaborou para o enfraquecimento do regime. 

O senhor acredita que o Exército cumprirá com suas promessas na transição para a democracia? 
O Conselho Superior das Forças Armadas repetiu três vezes publicamente que vai garantir eleições livres e democráticas. Além disso, os militares têm um enorme respeito em relação aos egípcios. Eles ganharam até mais respeito nas últimas três semanas, pois quase não intervieram nas manifestações e não se opuseram à população. Acho improvável que eles façam algo que abale esse respeito que conquistaram. Se a classe média, especialmente os jovens egípcios, tem um ímpeto para mudanças, com o apoio de outros muitos milhões de pessoas, não acredito que o Exército se oponha a essas aspirações.

No seu livro, o senhor escreve bastante sobre religião. O quão importante ela é para a política no Egito? 
É extremamente importante. Nas últimas décadas, uma série de sectarismos surgiu no Egito. Essas divisões se intensificaram nos últimos dez anos, resultando em violentos confrontos entre segmentos religiosos no país. No primeiro dia de 2011, por exemplo, dezenas de cristãos morreram em Alexandria, em um atentado. Com isso, a sociedade egípcia ficou amedrontada, depois de muitos anos de paz entre cristãos e islâmicos. A classe média, especialmente, por causa das tensões, se tornou mais adepta da retórica nacionalista, deixando de lado a islâmica. Apesar de a Irmandade Muçulmana continuar sendo o maior movimento opositor no país, é importante ressaltar que a revolta que vimos nas últimas semanas foi impulsionada por um nacionalismo secular, e não pelo idealismo islâmico. 

A Irmandade Muçulmana, embora garanta que não apresentará um candidato à Presidência, já anunciou a criação de um partido político após as reformas na Constituição. Quais são as aspirações do movimento, em sua opinião?
O grupo foi por muitos anos o mais organizado e poderoso da oposição egípcia. O fato de que querer formar um partido político era previsível. Porém, a Irmandade Muçulmana não é um grupo coerente e homogêneo, há uma série de divisões dentro dele, e a atitude de cada um é diferente. Da mesma forma em que existem os conservadores, há também milhares de seguidores jovens. Nas eleições de novembro de 2010, essas tensões internas ficaram muito claras. O momento agora, como disse, não é dos fundamentalistas, mas do movimento liberal no Egito.

Existe a possibilidade de o Egito se tornar uma ditadura islâmica como o Irã?
No futuro, vamos ter um partido que represente a Irmandade Muçulmana e o Islã. Ele possivelmente terá uma forte representatividade no Parlamento, mas isso não significa que vai eleger um presidente ou ter um de seus membros como uma poderosa autoridade do país. Atualmente, já se vê muitos outros partidos políticos emergindo, especialmente do movimento liberal. Como o panorama político agora é muito mais aberto e livre, eles poderão se organizar e criar uma concorrência que a Irmandade nunca teve.

27 - Esquema da Aula 3: Japão

Pessoal, segue a continuação do esquema da aula “Problemas no sistema internacional de 1895-1914” (postagem 23). O texto com o conteúdo mais detalhado desse esquema está na postagem 26 (“A ascensão do Japão”)

b.3 Japão

O Japão foi o único país não-ocidental que, no início do século XX, adquiriu o status de potência regional com capacidade de interferir no sistema internacional dominado pelos europeus

1867-1912. Era Meiji: reinado do imperador Mutsuhito

1868-1889. Revolução ou Restauração Meiji: modernização/industrialização sob direção do Estado

1894-1895. Guerra Sino-Japonesa: o Japão derrota a China em um conflito gerado pela disputa da Coréia (Estado vassalo do Império Chinês)

– O Japão anexa Taiwan

– A Coréia fica independente (sob influência japonesa)

– Crescente disputa entre Japão e Rússia pelo sul da Manchúria (norte da China), especialmente pela cidade de Porto Arthur

1902. Aliança Anglo-Japonesa

1904-1905. Guerra Russo-Japonesa: o Japão derrota a Rússia em um conflito gerado pela disputa da Manchúria e da Coréia

– O Japão domina o sul da Manchúria e Porto Arthur

1910. Anexação da Coréia