quarta-feira, 21 de abril de 2010

4 - A Idade Contemporânea

1. Aspectos gerais da Idade Contemporânea 

De acordo com a divisão tradicional da história, a Idade Contemporânea corresponde ao período iniciado na segunda metade do século XVIII e que se estende até os dias atuais. Em suas linhas gerais, essa época se destaca em três aspectos: a modernização das sociedades, a afirmação do capitalismo e a supremacia econômica e militar do Ocidente no mundo.

1.1 A modernização das sociedades

(a) Modernização

Modernização é a transformação das sociedades tradicionais ou agrárias em sociedades modernas ou industriais. Na sociedade tradicional, a maioria da população vive no meio rural, há um predomínio da agricultura, baixa mobilidade social, lento desenvolvimento tecnológico e forte religiosidade. A sociedade moderna (modernidade), por sua vez, é caracterizada pela industrialização, intensa urbanização, alfabetização em massa, maior mobilidade social e diversidade de profissões, avanço tecnológico mais rápido, crença no racionalismo e no progresso e pela expansão do pensamento secular na política e no ensino em detrimento da religião (secularização). Em razão do seu significado revolucionário na história, a modernidade, entendida como a fase de industrialização e secularização da sociedade, foi o fenômeno mais importante da Idade Contemporânea.

(b) O avanço da modernidade

A modernidade nasceu na Europa Ocidental em 1760-1800 com o início da Revolução Industrial e o triunfo do Iluminismo. Por meio pacíficos (influência cultural, contatos comerciais) e violentos (imperialismo, ameaças militares), a modernidade expandiu-se da Europa para o mundo nos séculos XIX e XX, em momentos e condições diversas que variaram de país em país. Por se tratar de um processo dinâmico e contínuo de mudanças tecnológicas, econômicas, sociais, políticas e culturais é difícil determinar em que momento a modernidade ficou ou ficará plenamente consolidada. Consequentemente, não há acordo sobre o que seria o início de uma época pós-moderna ou de pós-modernidade na história das sociedades.

(c) Problemas da modernidade

A modernidade trouxe ganhos incalculáveis para a humanidade, sobretudo em termos do aumento da produção e da produtividade econômica, do conhecimento científico, do desenvolvimento dos meios de transportes e comunicação e do avanço da medicina. Tudo isso possibilitou a redução da mortalidade, o aumento da natalidade e um crescimento extraordinário da população mundial. A mulher, que geralmente nas sociedades tradicionais possui status inferior ao do homem, foi emancipada e obteve isonomia jurídica e política. Nas sociedades mais modernas, isso foi acompanhado pela elevação do padrão de vida da maioria esmagadora das pessoas, se comparado ao padrão dos seus antepassados da época pré-moderna.
No entanto, a construção da modernidade ao longo da Idade Contemporânea gerou diversos problemas. De uma maneira geral, a modernização foi ou é um processo traumático, muitas vezes violento, sobretudo quando ocorrida de uma forma rápida. Com efeito, a modernização destrói hábitos e modos de vida tradicionais e enraizados. Antigas profissões, funções, cargos e privilégios são eliminados. O papel central da família na educação e na produção nas sociedades pré-industriais é deslocado ou superado. As interpretações e verdades religiosas são questionadas. O resultado são conflitos de valores, incertezas e insegurança. Em alguns casos, isso gerou uma reação de grupos políticos e religiosos radicais (extremistas, fundamentalistas) que, ao condenar diversos aspectos da modernidade, passaram a idealizar o passado pré-moderno, buscando restaurá-lo, ainda que parcialmente, muitas vezes por meios violentos. Esse tipo de conservadorismo radical e de reacionarismo religioso sempre existiu no processo de modernização, mas desde o final do século XX ele vem adquirindo maior importância.
Outro problema da modernidade é a aceleração da degradação ambiental, como a poluição e a destruição da vegetação natural, em razão da industrialização, da urbanização e do crescimento populacional. A preocupação do homem moderno com essa questão ambiental remonta ao século XIX, mas ela só ganhou relevância na segunda metade do século XX, transformando-se em uma das pautas mais relevantes das discussões políticas da atualidade.

1.2 A afirmação do capitalismo

(a) O capitalismo

O capitalismo é uma forma de produção e de distribuição de bens, serviços e informações caracterizada pela economia de mercado (produção voltada para o comércio, busca do lucro, acumulação de capital, concorrência), propriedade privada do capital, trabalho livre e assalariado e racionalização econômica. Suas origens mais remotas encontram-se na Baixa Idade Média (séculos XI-XV), mas ele só foi consolidado como um modo de produção a partir da Revolução Industrial, quer dizer, com o desenvolvimento das sociedades modernas na Idade Contemporânea. Com efeito, o capitalismo está tão associado à modernidade que muitos consideram que ele faz parte de qualquer processo de modernização. De fato, nos séculos XIX e XX o sistema capitalista passou a predominar em grande parte dos países modernos, sobretudo nos mais ricos. Rússia e China, nesse caso, foram as principais exceções já que no século XX ambas trocaram um capitalismo pouco desenvolvido, de formação tardia, por décadas de experiência socialista – um violento processo de modernização não-capitalista imposto pelo Estado, com pouca ou nenhuma participação da iniciativa privada. Contudo, na complexa rede de relações econômicas e políticas internacionais do mundo contemporâneo, marcadas pela competição e rivalidades, o modelo estatizante ou socialista de modernização não conseguiu se sustentar por muito tempo. No final do século XX, a modernidade socialista tornou-se simplesmente inviável e os países que a adotaram estão sendo forçados a retornar ao capitalismo, uns de uma forma mais lenta e parcial do que outros.

(b) Globalização

A combinação dos avanços tecnológicos da modernidade nos transportes, comunicações e produtividade com os impulsos comerciais do capitalismo resultaram na criação de um mercado mundial cada vez mais unificado, ou seja, na criação de um sistema econômico mundial com redes de interdependência dos mercados nacionais. Esse fenômeno é o que se convencionou chamar de globalização – o processo de integração do comércio, finanças e produção dos países em escala regional e mundial, iniciado com a Revolução Comercial nos séculos XV-XVIII e consolidado com os desdobramentos da Revolução Industrial nos séculos XIX-XX.

1.3 A supremacia do Ocidente

(a) Civilização

O termo Ocidente, utilizado em um sentido cultural e não no sentido geográfico original, corresponde a uma visão da História. Essa visão considera que, ao longo dos séculos, a humanidade dividiu-se em grandes agrupamentos culturais ou civilizações. Cada civilização é constituída por povos que compartilham diversos elementos ideológicos e políticos comuns, como religião, valores, normas e instituições, distintos daqueles de outros povos. Segundo essa interpretação, o núcleo de uma civilização é formado pelos seus países mais ricos e poderosos – os Estados-núcleos.

(b) A civilização ocidental

Nessa visão, Ocidente é o mesmo que civilização ocidental, constituída pela Europa (onde essa civilização se originou) e os países de intenso povoamento europeu da América e da Oceania. Apesar de cada uma das diversas sociedades do Ocidente possuir características culturais particulares ou únicas (sua identidade cultural nacional), elas estariam unidas por uma cultura mais ampla comum baseada na fusão das tradições greco-romanas, judaico-cristãs e germânicas. Os principais elementos culturais da civilização ocidental são o legado clássico (filosofia e racionalismo gregos, o Direito romano, o conceito de cidadania), o cristianismo, a tradição medieval de constitucionalismo (a lei limitando o poder do governo) e de corpos representativos (parlamento) e o individualismo. Até 1914, quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial, a Europa foi o núcleo do Ocidente. Entre 1914 e 1945, o núcleo foi baseado em um equilíbrio entre a Europa e os EUA. Depois de 1945, os EUA assumiram a posição de principal Estado-núcleo da civilização ocidental, ainda que essa posição tenha sido desafiada pela força militar da URSS durante a fase da Guerra Fria (1945-1991).

(c) O poder mundial do Ocidente

Como o Ocidente, ou mais precisamente o seu núcleo europeu e norte-americano, foi pioneiro na modernização, ele se transformou na civilização mais poderosa do mundo na Idade Contemporânea, superando as demais em termos de poder econômico e militar e de influência política e cultural em escala global. Essa superioridade possibilitou que as potências ocidentais dominassem, direta ou indiretamente, grande parte da Ásia e da África, sobretudo em 1830-1960. Em razão disso, o imperialismo ocidental exportou a modernidade para as sociedades asiáticas e africanas, de forma plena ou parcial dependendo do caso – a modernização via colonialismo ou como reação nacionalista contra o colonialismo. Nesse contexto, o primeiro país não-ocidental a se modernizar foi o Japão, em 1870-1900, que se transformou em um poderoso competidor do Ocidente pelo domínio do Extremo Oriente. De fato, a supremacia ocidental vem declinando desde o século XX com a modernização das civilizações da Ásia – além do Japão, sobretudo a China e a Índia. Valores, costumes e hábitos de origem oriental estão em expansão na América e na Europa. O islamismo é a religião que mais cresce no mundo e os muçulmanos são cada vez mais numerosos nas sociedades européias. O resultado é que hoje o poder e a influência globais do Ocidente são proporcionalmente menores do que eram há 50 anos. Contudo, a “Era da supremacia ocidental” ainda não foi superada e o Ocidente continua sendo a civilização mais poderosa do mundo em termos econômicos e militares.

2. A periodização da Idade Contemporânea

A Idade Contemporânea pode ser subdividida em períodos específicos. Se levarmos em consideração as alterações decorrentes dos impactos das grandes revoluções e conflitos internacionais, é possível delimitar 3 períodos nesse últimos 250 anos da história:

Longo Século XIX (1774-1914): marcado pelo duplo impacto econômico-geopolítico da Revolução Industrial britânica e político-ideológico da Revolução Americana e, principalmente, da Revolução Francesa.

Breve Século XX (1914-1991): caracterizado pelos desdobramentos geopolíticos da Primeira Guerra Mundial (ascensão dos EUA como principal potência capitalista) e político-ideológico da Revolução Russa (criação da URSS e do regime socialista)

“Incerto” Século XXI (1991 em diante): marcado pelo impacto do colapso da URSS, do fracasso dos regimes socialistas e pela transformação dos EUA em uma “hiperpotência” militar, com um poder global sem paralelo na história.

3. Imperialismo e colonialismo

3.1 Imperialismo

Imperialismo é a tentativa de expansão do poder de uma potência sobre outros territórios e povos com o objetivo de estabelecer algum tipo de domínio ou de controle sobre eles. Na maioria dos casos, a potência imperialista é um Estado, com governo, forças armadas e funcionários civis. Algumas vezes, entretanto, o imperialismo é resultado da ação de organizações tribais, grupos de indivíduos ou de empresas privadas, em princípio agindo de forma independente do governo. O imperialismo pode ser motivado por questões econômicas (busca de terras, matérias-primas, mercados, áreas de investimento), políticas (ampliar o poder internacional de um Estado, dominar um rival em potencial, controlar uma área estrategicamente importante para a defesa nacional, obter prestígio nacional, desviar a atenção dos problemas internos do país) e ideológicas (difundir, pela força, uma doutrina religiosa ou política secular). O imperialismo é um fenômeno antigo na história das relações internacionais, ocorrendo em sociedades tradicionais e modernas, não-capitalistas e capitalistas.

3.2 Colonialismo

Colonialismo é o domínio de um país ou povo por uma potência imperialista, resultado de um imperialismo bem-sucedido (quando o imperialismo fracassa, não há colonialismo). O colonialismo implica na existência de um império colonial ou sistema colonial: uma relação internacional de dominação entre um centro de poder ou metrópole (a potência imperialista) e sua periferia ou colônia (o território dominado). Como no caso do imperialismo, o colonialismo na maioria das vezes é organizado por um Estado, mas ocasionalmente ele também pode ser estabelecido por grupos privados. Mas mesmo quando o colonialismo é uma iniciativa de forças não-governamentais, o Estado acaba se envolvendo direta ou indiretamente sobre ele.
O colonialismo pode ser dividido em dois tipos: (a) colonialismo formal ou direto: quando a potência imperialista governa um outro país que, além de não possuir independência política, tem sua economia dominada pela metrópole. Nesse colonialismo, as colônias constituem o império formal de um Estado imperialista; (b) colonialismo informal ou indireto: quando um povo possui independência política, quer dizer, tem seu próprio Estado, mas depende economicamente de uma potência imperialista, ou está subordinado a sua diplomacia e poder militar (os chamados protetorados). Esses países dependentes, de soberania limitada, podem ser considerados “semicolônias” de uma potência imperialista e constituem seu império informal, ou seja, uma área de influência dessa potência, que ela procura preservar face ao imperialismo de seus rivais. Alguns autores também chamam o colonialismo informal econômico de neocolonialismo.

O domínio colonial e suas limitações. Na prática, a dominação colonial é mantida pela combinação do uso da força bruta (violência) com a influência cultural (ideológica) da metrópole sobre a colônia. Historicamente, quando o poder militar de uma metrópole ficava enfraquecido ou reduzido por causa de guerras ou problemas econômicos, a sua capacidade de dominar a colônia diminuía e as chances da população colonial obter a independência aumentavam – obviamente, se essa população considerasse a independência uma necessidade. Por outro lado, não bastava apenas a força militar ou a repressão para garantir a dominação colonialista. Era fundamental que uma parte da população da colônia (geralmente as elites coloniais, descendente de conquistadores e de imigrantes da metrópole, ou mesmo de origem nas etnias nativas) aceitasse o colonialismo para que fosse garantido um mínimo de estabilidade e funcionamento do sistema colonial. De fato, o colonialismo podia ou pode ser aceito por vários motivos: interesses econômicos dos colonos na metrópole (comércio, empréstimos), reconhecimento da importância da metrópole para a segurança dos colonos (defesa contra revoltas de nativos ou de escravos, proteção contra invasores estrangeiros) e identificação cultural dos colonos com a metrópole. Outros fatores como o conformismo e a passividade da maior parte da população colonial também tiveram um grande peso na manutenção do colonialismo. De qualquer forma, quando os setores mais poderosos da sociedade colonial passaram a considerar que a metrópole não apenas deixara de atender aos seus interesses, mas passara também a contrariá-los ou ameaça-los, o colonialismo mantido exclusivamente por meio da violência demonstrou ser inviável.

3.3 Imperialismo e colonialismo na história

Durante séculos, o imperialismo foi considerado prática normal na política internacional. Seu apogeu costuma ser situado entre a década de 1870 e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) – a fase “clássica” do imperialismo, quando as principais potências imperialistas eram Estados europeus, sobretudo a Grã-Bretanha, a França e a Rússia, seguidos pelo Japão e EUA. Hoje em dia tanto o imperialismo quanto o colonialismo são políticas moralmente condenáveis. Os dois termos possuem uma pesada carga emocional, sendo empregados com freqüência para criticar ou desacreditar a política externa de um governo. Chamar um Estado de “imperialista” é o mesmo que chamá-lo de agressor, dominador ou explorador – uma potência que ameaça a independência e liberdade de outras nações. Fenômeno complexo, ao mesmo tempo em que foi responsável pela submissão, exploração e, em alguns casos, extermínio de diversos povos, causando guerras, humilhação e sofrimento, o imperialismo permitiu a expansão de idéias e técnicas entre países, contribuindo decisivamente para as trocas culturais, a modernização da infra-estrutura dos territórios coloniais e a integração de comunidades de várias regiões e continentes. Além disso, o imperialismo despertou nas populações dominadas, ou ameaçadas de serem conquistadas, um sentimento de nacionalidade que não existia ou que estava pouco desenvolvido até a chegada da potência imperialista. Muitas nações construíram sua identidade nacional na luta contra o imperialismo e o colonialismo, e é possível que, se não fosse pelo confronto com estrangeiros dominadores, vários povos até então divididos em tribos ou pequenos Estados compartilhando uma mesma língua e cultura não teriam “despertado” para a necessidade de união pela soberania nacional e não teriam criado Estados nacionais unificados. Em outras palavras, o imperialismo e o colonialismo foram fatores fundamentais tanto para o processo de globalização como para a formação de nações.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

5 - A mente revolucionária

Em um texto sobre a situação política do Brasil, o filósofo Olavo de Carvalho escreveu um interessante comentário sobre a mentalidade revolucionária, que ele remete ao Iluminismo:

Todo sujeito que traz no bolso o projeto de “um mundo melhor” acredita-se, por definição, melhor que o mundo existente. Não há razão mais forte para colocar-se acima de todo julgamento humano, nem para sentir que qualquer quantidade de poder que se entregue nas suas mãos é pouca e mesquinha para a realização de objetivo tão nobre, tão excelso. Nosso Senhor disse aos apóstolos: “Vós julgareis o mundo”. Pelo menos desde o século XVIII, não há um só militante ou mero simpatizante revolucionário que, ouvindo essas palavras, não conclua com lógica implacável: “Isso é comigo.” Por definição, o privilégio de redimir-se mediante a simples alegação de boas intenções imaginárias não se estende jamais aos adversários da revolução. Estes, a priori, agem sempre por motivos egoístas e malignos, mesmo quando nada ganhem e, de coração, tudo sacrifiquem por aquilo em que acreditam. O revolucionário, em contrapartida, santifica-se automaticamente pelo simples fato de sê-lo, mesmo quando se locuplete e desfrute gostosamente dos bens alheios, colhidos a pretexto de salvar o mundo.

Olavo de Carvalho. Sanctus
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http://www.olavodecarvalho.org/semana/100419dc.html