sexta-feira, 24 de abril de 2009

12 - A Questão do Oriente

Pessoal, estou postando um texto mais detalhado da Questão do Oriente. 


A Questão do Oriente

1. O Império Turco Otomano

Os turcos otomanos, originários da Ásia Central e seguidores do islamismo, criaram um dos mais poderosos impérios da Idade Moderna. Com capital em Constantinopla (que os turcos haviam tomado em 1453 depois de destruírem o que restava do Império Bizantino), o Império Otomano em seu apogeu no século XVI dominava os Bálcãs, a Armênia, parte do Cáucaso e a maior parte dos países árabes do Oriente Médio e do Norte da África. Entre os territórios que os turcos controlaram até a Primeira Guerra Mundial estavam as três principais cidades santas do Oriente Médio: Meca e Medina (sagradas para os muçulmanos) e Jerusalém (sagrada para os judeus, cristãos e muçulmanos). Em razão do seu tamanho, força militar e localização estratégica, o Império Turco Otomano foi a maior potência muçulmana do mundo em 1520-1914, embora a maioria dos seus súditos nos Bálcãs e na Armênia fosse constituída por cristãos – fator que contribuiu, no século XIX, para a desestabilização do poder turco. Politicamente, o império era caracterizado pelo despotismo, com uma monarquia absolutista encabeçada pelo sultão, considerado também califa (líder e protetor da ummah, a comunidade islâmica). A corte do sultão (que incluía o Grão-Vizir ou Sadrazam, espécie de primeiro-ministro) era conhecida como a Sublime Porta.

2. O declínio do Império Otomano e a Questão do Oriente



O expansionismo turco se esgotou no século XVII e, a partir do final do século XVIII, o Império Otomano entrou em processo de decadência em função de suas deficiências internas: uma sociedade tradicional, com uma ordem social baseada em distinções religiosas, que não conseguia acompanhar o ritmo de modernização do Ocidente; economia agrária com baixa produtividade e atraso tecnológico; despotismo da Sublime Porta e dos governadores (alguns, na prática, independentes do poder central), burocracia corrupta, administração ineficiente, tributação distorcida sufocando a maioria da população, exército obsoleto, banditismo endêmico, conservadorismo cultural e baixa mobilidade social. Na segunda metade do século XIX os problemas financeiros do império se agravaram por causa do aumento dos gastos militares (guerra contra a Rússia em 1853-1856), dos tratados comerciais com as potências européias que reduziram o protecionismo (e a arrecadação alfandegária) e das dificuldades em pagar a crescente dívida externa. Reformas modernizadoras foram tentadas na década de 1870, mas fracassaram, sobretudo por causa da resistência dos grupos mais conservadores. O resultado foi a Questão do Oriente – as incertezas sobre o futuro do decadente Império Otomano (o “velho doente da Europa”) e os problemas internacionais gerados por sua desintegração, como as disputas entre as grandes potências européias pelos territórios turcos no Oriente Médio, no Norte da África e nos Bálcãs.

2.1 A desintegração do Império Otomano

A crise do Império Otomano e seu processo de desintegração começou na década de 1770, mas foi agravada cem anos depois, nos anos de 1870, com a intensificação do nacionalismo dos povos dominados pelos otomanos e do imperialismo das grandes potências européias.

(a) Os movimentos nacionalistas pela independência dos povos cristãos

Nos Bálcãs foi o caso dos gregos, eslavos (sérvios, bósnios, montenegrinos, búlgaros) e romenos. No Oriente Médio foi o caso dos armênios. Frequentemente, a luta armada desses povos e a repressão otomana assumiram a forma de conflitos étnicos, acompanhados por uma grande violência sobre a população civil. O que se convencionou chamar de limpeza étnica – o extermínio de uma etnia pela rival – foi amplamente praticado pelos dois lados. A Grécia conseguiu ficar independente em 1829 (reconhecida pela Sublime Porta em 1832), mas continuou reivindicando mais territórios dominados pelos turcos. Entretanto, as revoltas nacionalistas dos eslavos, sobretudo sérvios e montenegrinos, nas décadas de 1810 e 1860 fracassaram e a dominação turca continuou reconhecida internacionalmente sobre seus territórios. Na década de 1870, Sérvia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro, Romênia e Bulgária nos Bálcãs, e a Armênia, na Ásia Menor, ainda eram províncias do Império Otomano com graus variados de autonomia.

(b) O imperialismo das grandes potências européias

Principalmente da Rússia, interessada em conquistar territórios no Sudeste Europeu, para obter acesso ao Mar Mediterrâneo (como Constantinopla e o Estreito de Dardanelos entre a Europa e a Ásia), e no Cáucaso (como a Geórgia), para poder penetrar no Oriente Médio e alcançar o Golfo Pérsico. Nos Bálcãs, a Rússia se apresentava como protetora dos povos eslavos locais, com os quais compartilhava um mesmo tronco lingüístico (a família de línguas eslavas) e uma mesma religião (cristã ortodoxa), idéia que foi a base do pan-eslavismo – a defesa da união, cooperação e solidariedade dos povos eslavos sob a liderança da Rússia. A política russa de penetração no Oriente Médio envolvia também se posicionar como a protetora da comunidade cristã (principalmente dos ortodoxos) e dos seus locais sagrados na Palestina e na Síria. A Áustria-Hungria também procurou expandir seu império à custa de territórios balcânicos controlados pelos otomanos (como a Croácia no final do século XVII e a Bósnia no final do século XIX). A França buscou ampliar seu controle no Mediterrâneo dominando Estados-vassalos do Império Otomano no Norte da África (Argélia, Tunísia). Com a Rússia, disputava também a condição de defensora dos cristãos da Palestina e Síria. A Itália igualmente desejava territórios otomanos no Norte da África e na Ásia Menor. A Grã-Bretanha, em princípio, estava mais interessada na preservação e estabilidade do Império Otomano, que serviria de barreira contra a expansão das outras potências européias no Oriente Médio, região que separava a Europa da Índia, a principal colônia britânica. Na maioria das vezes, o governo em Londres utilizou a diplomacia para frear o imperialismo das outras potências sobre os otomanos e negociar arranjos de redistribuição de territórios que não implicassem no desabamento completo do império turco ou em uma drástica alteração do equilíbrio do poder na Europa. No entanto, quando a diplomacia falhava ou algum problema interno dos domínios otomanos ameaçava interesses estratégicos da Grã-Bretanha, o governo britânico recorria a guerra, como na intervenção ao lado dos gregos na Guerra de Independência da Grécia (1821-1829) e ao lado dos otomanos na Guerra Turco-Egípcia (1832-1841) e na Guerra da Criméia (1854-1856, contra a tentativa russa de tomar territórios turcos).

(c) Principais momentos da Questão do Oriente a partir da década de 1870



1870-1875. Crescentes problemas econômicos. Os gastos militares (modernização da marinha), a corrupção das autoridades, tratados comerciais com as potências européias que reduziram o protecionismo (e a arrecadação alfandegária) e o aumento da dívida externa levou o Estado otomano à bancarrota em 1875. Más colheitas em 1873, acompanhadas pelos efeitos da Depressão Mundial iniciada na década de 1870 agravaram a situação econômica, aumentando a pressão por reformas, defendida pelo movimento político dos Jovens Otomanos (intelectuais nacionalistas liberais).

1875-1876. Revolta Eslava nos Bálcãs. Os cristãos da Bósnia e da Bulgária, sobretudo camponeses, rebelaram-se contra as taxas e os mal-tratos praticados pelas autoridades islâmicas locais, que não adotaram as reformas prometidas pela Sublime Porta. Em 1876, a Sérvia e Montenegro, auxiliados por voluntários russos, aderiram à revolta e declararam guerra ao Império Otomano. Os turcos conseguiram sufocar a rebelião com grande violência. Na verdade, os dois lados (rebeldes eslavos e forças otomanas) cometeram massacres, mas a repressão desencadeada pelo governo turco foi mais divulgada no Ocidente, causando indignação da opinião pública e dos governos europeus.

1876. Reforma liberal. Em meio às revoltas dos eslavos, estourou uma crise política e, em único ano (1876), o Império Otomano conheceu três sultões consecutivos, dois deles depostos. O terceiro, Abdulhamid II, em um primeiro momento cedeu às pressões por reformas e aceitou uma constituição liberal, que estabeleceu um parlamento e reduziu a autoridade do monarca, inaugurando o período conhecido como Primeira Era Constitucional (1876-1878). Na visão dos defensores da constituição (os Jovens Otomanos), a reforma política seria o primeiro passo para a efetiva modernização e salvação do Império Otomano.

1877-1878. Guerra Russo-Turca. Sob o pretexto de proteger os eslavos nos Bálcãs contra a violência da repressão turca, a Rússia declarou guerra ao Império Otomano (abril, 1877) e invadiu a Romênia, a Bulgária e o Cáucaso. Em janeiro de 1878, com as forças russas ameaçando Constantinopla, o governo turco pediu o armistício. A Rússia iniciou as negociações de paz, mas continuou avançando. Criticado pelo desastre militar, Abdulhamid II suspendeu a constituição e restaurou o despotismo (fevereiro 1878). Alarmada, a Grã-Bretanha enviou uma frota para impedir que os russos tomassem a capital otomana. A Rússia deteve o seu avanço, mas impôs aos turcos o Tratado de San Stefano (março 1878), um acordo de paz que reorganizou os Bálcãs visando a ampliação do poder russo na região e no Cáucaso: a Rússia anexou parte da Romênia (sul da Bessarábia) e da Armênia (província de Kars); a Sérvia e Montenegro ampliaram seus territórios e ficaram independentes; uma Grande Bulgária (estendendo-se do Mar Negro ao Egeu, incluindo a Macedônia e Rumélia Oriental) foi estabelecida como um principado autônomo sob ocupação militar russa; e a Áustria-Hungria ocupou a Bósnia-Herzegovina e o Sanjak de Novibazar (parte do atual Kosovo). A Grã-Bretanha, no entanto, opôs-se ao fortalecimento da Rússia nos Bálcãs e pressionou pela revisão do acordo de paz.

1878, junho-julho. O Congresso de Berlim. Organizado sob mediação do chanceler alemão Bismarck, o Congresso de Berlim confirmou, com o Tratado de Berlim, a independência da Sérvia, de Montenegro e da Romênia, os ganhos territoriais russos e o controle austro-húngaro sobre a Bósnia-Herzegovina e o Sanjak de Novibazar. Mas a decisão mais importante foi sobre a Bulgária, que foi dividida: o Principado Autônomo da Bulgária, com o território reduzido e governado por um príncipe não-russo, eleito por uma assembléia búlgara e aprovado pelas grandes potências; a Macedônia, com uma parte voltando a ser controlada pelo Império Otomano e outra parte incorporada à Sérvia; e a Rumélia Oriental, que também retornou ao domínio otomano como província autônoma. Em troca do apoio que deu ao governo turco, a Grã-Bretanha recebeu Chipre. O Tratado de Berlim agravou os problemas balcânicos ao deixar a Rússia, a Bulgária, a Sérvia e o Império Otomano insatisfeitos.

1881. A França ocupa a Tunísia. O pretexto foi conter os ataques de tribos tunisianas na fronteira com a Argélia, colônia francesa. A Tunísia virou um protetorado da França.

1882. A Grã-Bretanha ocupa o Egito. Em 1859-1869 os franceses construíram o Canal de Suez no Egito, ligando o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho e ao Índico, encurtando o caminho entre a Europa e a Ásia. O governo egípcio era o maior acionista do Canal, seguido pela França. Mas dificuldades financeiras (gastos excessivos na tentativa de modernizar o país) levaram o Egito a vender suas ações para a Grã-Bretanha em 1875. O controle estrangeiro sobre o Canal e a crescente presença de ocidentais causou um grande ressentimento entre os egípcios, sobretudo entre os militares nacionalistas. Distúrbios populares antiocidentais estouraram em 1881-1882. Temendo perder o controle sobre o Canal, a Grã-Bretanha invadiu o Egito em 1882 e ocupou o país, transformando-o em um protetorado.

1885. Unificação da Bulgária. Uma revolta na Rumélia Oriental resultou em sua união com a Bulgária, sob protestos da Rússia (insatisfeita com o governo do príncipe Alexandre von Battenberg) e da Sérvia (que temia o fortalecimento búlgaro).

1885-1886. Guerra Servo-Búlgara. A Sérvia exigiu territórios búlgaros como compensação pelo crescimento da Bulgária. A Sérvia foi derrotada

1896. Revolta em Creta. Os gregos locais fizeram um levante contra o domínio otomano. A revolta serviu de pretexto para a intervenção da Grécia, que entrou em guerra contra os turcos.

1897. Guerra Greco-Turca. Os gregos fracassaram em tomar territórios otomanos e um acordo de paz foi assinado.

1899. Protetorado britânico no Kuwait. Parte autônoma da província otomana de Basra, no sul do Iraque, o Kuwait era governado pelo sheik árabe Mubarak al-Sabah, o Grande. As tentativas otomanas de ampliar o controle sobre o país levaram o sheik a se aproximar da Grã-Bretanha. Os britânicos estabeleceram um protetorado no Kuwait, que formalmente continuou sendo território otomano – situação confirmada na Convenção Anglo-Otomana de 1913.

1903. Revolta da Macedônia. Liderada por grupos favoráveis à unificação com a Bulgária. Os otomanos sufocaram a insurreição.

1906. Formação do Comitê de União e Progresso (CUP). Organização política revolucionária nacionalista dos Jovens Turcos (herdeiros políticos dos Jovens Otomanos), reunindo estudantes, intelectuais e jovens oficiais. Objetivos: restauração da Constituição de 1876 e reformas modernizadoras para salvar o império do colapso.

1908, julho. Revolução dos Jovens Turcos. Começou com a revolta militar do III Exército turco na Macedônia liderada por Enver Pasha, membro do CUP. A revolta se espalhou pelo império e o sultão Abdulhamid II foi obrigado a restaurar a Constituição de 1876, inaugurando a Segunda Era Constitucional (1908-1920). Contudo, o CUP não conseguiu organizar um governo estável, gerando incertezas sobre a viabilidade do novo regime em um quadro de crescente violência social (banditismo, conflitos étnicos e religiosos). A instabilidade deixou o império mais vulnerável, favorecendo o separatismo e os interesses expansionistas dos vizinhos, que buscaram agir o mais rápido possível antes que surgisse um governo nacionalista forte capaz de restaurar o poder otomano.

1908, setembro. A Grécia anexa Creta. Fortaleceu o movimento de criação da “Grande Grécia”.

1908, outubro. Independência da Bulgária. Proclamada pelo príncipe Ferdinando I, que assumiu o título de czar da Bulgária.

1908, outubro. A Áustria-Hungria anexa a Bósnia-Herzegovina. Causou a crise da Bósnia. A Sérvia, que reivindicava a Bósnia-Herzegovina (território otomano ocupado pelos austro-húngaros desde 1878) visando criar a “Grande Sérvia”, viu seus planos serem frustrados. O distrito turco do Sanjak de Novibazar, que a Áustria-Hungria também tinha ocupado em 1878 e que era igualmente reivindicado pelos sérvios, foi devolvido aos otomanos. A Rússia, inicialmente, apoiou a Áustria-Hungria esperando receber em troca vantagens sobre o Estreito de Dardanelos. Contudo, a Grã-Bretanha barrou os planos dos russos, que se sentiram enganados pela Áustria-Hungria. A Rússia passou a dar apoio à Sérvia e a Alemanha confirmou seu apoio à Áustria-Hungria.

1909. Tentativa de contra-revolução no Império Otomano. Grupos conservadores, apoiados pelos fundamentalistas islâmicos e por Abdulhamid II, assumiram o controle de Constantinopla com o objetivo de restaurar o absolutismo e impor uma legislação religiosa baseada na sharia (leis islâmicas). Os revolucionários do CUP recuperaram o poder, depuseram Abdulhamid II e o substituíram por um novo sultão, Mehmed V.

Um agravante nessa questão foi aproximação da Alemanha do Império Otomano, iniciada na década de 1880, depois que os turcos perderam territórios para a França (Tunísia, 1881) e a Grã-Bretanha (Egito, 1882) e sentiram-se ameaçados pelas pretensões russas por Constantinopla e pelo Cáucaso. Os alemães estabeleceram uma missão militar para reorganizar o exército turco (1883) e, em troca de empréstimos ao governo otomano, obtiveram concessões (1899 e 1902) para construir a Ferrovia Berlim-Bagdá – na verdade, estender a ferrovia Berlim-Constantinopla para Bagdá e Basra, próxima do Golfo Pérsico. A penetração alemã no Império Turco Otomano e no Oriente Médio precipitou a aliança entre a Grã-Bretanha e a Rússia em 1907, simbolizada pela divisão da Pérsia (Irã) entre as duas potências.

Bibliografia

KARSH, Efraim e KARSH, Inari. Empires of the Sand - The Struggle For Mastery in the Middle East 1789-1923. Cambridge, Harvard University Press, 1999.

MACFIE, A. L. The Eastern Question 1774-1923. Londres, Longman, 1996.

Um comentário:

Murilo Wya Almeida disse...

Aleluia uma explicação bacana sobre a Questão do Oriente. Sem comentários professor. Nota dez para o senhor. Muito obrigado.