Pessoal, segue uma
excelente entrevista com o sociólogo italiano Paolo
Gerbaudo sobre as manifestações no Brasil e em outros países. A
entrevista foi feita por Bernardo Mello Franco e saiu no jornal Folha de S. Paulo em 8 de julho.
Desde que a Primavera Árabe estourou, em 2011, o
sociólogo e jornalista italiano Paolo Gerbaudo viaja o mundo para estudar
protestos que tomaram as ruas de grandes cidades da África, da Europa e dos
Estados Unidos.
Professor da universidade britânica King's
College, ele se tornou um dos principais pesquisadores da onda de manifestações
organizadas nas redes sociais, que chegou ao Brasil com força em junho.
No livro "Tweets
and the streets" (Pluto, 2012; sem tradução em português), Gerbaudo
aponta semelhanças entre movimentos de diferentes países como o Occupy Wall
Street, nos EUA, e os indignados, na Espanha.
Convidado a falar sobre o caso brasileiro,
Gerbaudo diz que os manifestantes cobram um novo tipo de democracia, com mais
transparência e participação popular, e que os partidos que não souberem se
renovar podem caminhar para a extinção.
Ele critica a resposta da presidente Dilma
Rousseff às bandeiras do movimento e prevê que os protestos, que esfriaram nos
últimos dias, voltarão em "novas ondas e novas formas". Leia a seguir
alguns trechos da entrevista:
Folha - O sr. estudou manifestações
impulsionadas pelas redes sociais em países como Egito, Espanha e Turquia. O
que elas têm em comum com os protestos no Brasil?
Paolo Gerbaudo -
Da Primavera Árabe ao Occupy Wall Street, os ativistas se definem como
integrantes de movimentos de praças. Eles veem praças e ruas como pontos de
encontro da sociedade para protestar contra as instituições. O caso brasileiro
é mais complexo, porque envolveu várias cidades, mas também houve a ocupação de
lugares que simbolizam a nação, como o Congresso.
A noção de povo é a chave para entender esses
novos movimentos. A alegação básica deles é que representam todo o povo, e não
apenas uma classe, na luta contra um Estado visto como corrupto. Isso os
diferencia dos movimentos antiglobalização, que reuniam minorias e tinham um
espírito global.
Esses novos movimentos são nacionais, dirigem
suas reivindicações a cada país. Isso fica claro numa frase que foi muito usada
nos cartazes brasileiros: "Desculpe o transtorno, estamos construindo um
novo país."
Redes sociais como o Facebook têm papel
importante nessas mobilizações. O que elas mudam no jogo político?
A ascensão das redes sociais permite que a
sociedade se organize de forma mais difusa, especialmente as classes médias
emergentes e a juventude das cidades. Isso desorientou os políticos e os velhos
partidos, que estavam acostumados a buscar consensos através dos meios de
comunicação de massa.
Os partidos têm pouco a fazer diante das novas
formas de comunicação mediadas pelas redes sociais. A não ser que mudem
completamente as suas práticas, baseadas no velho sistema de quadros e caciques
locais, e se abram para novas formas de participação popular.
No Brasil, militantes com bandeiras de partidos
foram expulsos de vários protestos.
Isso é muito comum nesses movimentos, porque os
manifestantes querem ser vistos como uma onda única. No Egito, os militantes de
partidos também foram impedidos de mostrar suas bandeiras na praça. Só
permitiam o uso da bandeira nacional.
Como eles dizem representar toda a nação, são
contra todos os elementos que podem dividir as pessoas na luta contra um
inimigo comum, representado pelo aparato repressivo do Estado.
Em geral, eles dizem que não há ideia de
esquerda ou de direita, o que existe são ideias boas e ideias ruins. Sonham com
uma política sem partidos políticos.
Qual é o significado disso?
É um discurso populista. Isso emerge em alguns
momentos na história que Antonio Gramsci [1891-1937] chamava de
"interregnum". É quando um sistema de poder está em colapso, mas seu
sucessor ainda não se formou.
Nesses momentos, aparecem o que Gramsci chamava
de sintomas mórbidos. Fenômenos estranhos, criaturas monstruosas e difíceis de
serem decifradas. Hoje, as criaturas estranhas são esses movimentos populares.
Para eles, a classe política rompeu o contrato
social que sustenta o sistema representativo. O acordo era: Vocês, o povo, nos
concedem o poder. Em troca, nós atendemos às suas demandas'. Agora, as pessoas
percebem que a classe política só está atendendo à sua própria agenda.
Há um problema fundamental na democracia
representativa como ela existe hoje. Ou os partidos encontram um caminho para
reconquistar legitimidade, ou vão ser superados por novos partidos sintonizados
com as demandas da sociedade pós-industrial de hoje.
A crítica à partidocracia é legítima. Por outro
lado, às vezes parece haver nos movimentos uma crença quase religiosa de que é
preciso eliminar todas as mediações.
Em que sentido?
Eles parecem ter a ilusão de que a solução é
eliminar os partidos, os sindicatos. Essa ideia em si é muito problemática e
ingênua. É uma ideia religiosa, absolutista, que compete com a democracia. A
política é uma obra coletiva, não um agregado de indivíduos. São blocos diferentes
que interagem. Para isso, você precisa dos partidos. Eles sempre existiram e
sempre vão existir.
Este sentimento contra os partidos pode ameaçar
a democracia como a conhecemos?
Existe um risco. Os momentos de
"interregnum" oferecem bifurcações. Estamos num momento de crise
sistêmica mundial. O Brasil está melhor que outros países, mas também está
desacelerando. Nesses momentos, podem emergir forças progressistas ou
reacionárias. É preciso ver se a esquerda vai saber interpretar o espírito do
tempo ou se vai adotar uma postura defensiva.
Há uma demanda correta por renovação moral, mas
setores mais reacionários podem explorá-la para fins antidemocráticos. A ideia
de que a política tem que buscar "o bem" é ingênua, representa uma
visão em preto e branco. Maquiavel dizia que o caminho para o inferno é
pavimentado de boas intenções.
Como os protestos afetam a esquerda brasileira,
que está há 10 anos no poder com o PT?
Em tese, o que está sendo cobrado no Brasil não
precisaria estar sendo cobrado de um governo do PT. As pessoas estão pedindo
escolas, hospitais. Para um governo de esquerda, é constrangedor estar sendo
pressionado com pedidos de coisas que ele já devia estar fazendo.
O aumento da tarifa dos ônibus não foi tão
grande, mas se tornou um símbolo de outros problemas. Foi a gota que fez o copo
transbordar.
Há outro problema. Os governos do PT
proporcionaram muitos avanços na área social, mas os casos de corrupção,
clientelismo e compra de votos minaram a legitimidade moral do partido.
Também há um problema de representação. O PT foi
criado para representar os metalúrgicos das fábricas. Nós agora vivemos numa
sociedade pós-industrial. Há uma nova classe média cheia de designers e
trabalhadores criativos, por exemplo, e eles não têm uma rede de proteção que
os atenda. Há uma mudança histórica, mas os partidos e sindicatos tradicionais
não têm demonstrado capacidade para entendê-la.
Na tentativa de responder aos protestos, a
presidente Dilma Rousseff já propôs uma constituinte exclusiva e um plebiscito
para fazer a chamada reforma política. Isso é suficiente?
Eu duvido que as promessas de Dilma sejam
suficientes para acalmar a ira popular. Ela pode atender a pedidos específicos,
mas a essência das manifestações vai além de demandas concretas. A luta principal
é por uma nova forma de democracia, na qual os partidos não poderão mais lidar
com os cidadãos apenas de quatro em quatro anos.
A solução para isso seria uma mudança
constitucional ampla, bem além da que Dilma propõe. É preciso abrir espaço a
novas formas de controle popular sobre os políticos, mais transparência contra
a corrupção, novos instrumentos de democracia direta e consulta popular.
As manifestações no Brasil esfriaram nos últimos
dias. Com base no que aconteceu em outros países, elas estão fadadas a
desaparecer?
Devido à ausência de uma estrutura formal, esses
novos movimentos populares tendem a sumir com a mesma velocidade com que
aparecem. É impossível manter uma mobilização de massa a longo prazo, como se
viu nos indignados da Espanha ou no Occupy Wall Street.
Mas, assim como aconteceu lá, é de se apostar
que o outono brasileiro' vai ressurgir em novas ondas e novas formas. Estamos
vivendo tempos revolucionários, em que as pessoas voltaram a sentir que podem
mudar o mundo. Veja o que está acontecendo agora no Egito.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/117886-objetivo-de-manifestacoes-e-nova-forma-de-democracia.shtml
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