Pessoal, segue uma reportagem do
G1 com diversas análises sobre os
protestos das últimas semanas.
Atos são maior
mobilização sem líder da história brasileira, dizem analistas
Na quinta, 1,25 milhão
protestaram nas ruas em mais de 100 cidades.
Especialistas ouvidos pelo G1 buscam explicações para manifestações.
Os protestos que se espalharam por quase todos
os estados do Brasil na quinta-feira (20) representaram a mais ampla e numerosa
mobilização popular do país sem liderança definida e, de acordo com dois
sociólogos, uma historiadora, um filósofo, dois antropólogos, um advogado e um
juiz ouvidos pelo G1, ainda não é possível dizer qual rumo tomarão.
Com mais de 1,25 milhão de pessoas tomando as
ruas de mais de 100 cidades, com 300 mil apenas no Rio de Janeiro, os atos
comemoraram a redução da tarifa do transporte coletivo em cidades importantes e
reivindicaram outras melhorias para o país, como o combate à corrupção e à
repressão policial, investimentos na saúde e na educação e a redução de gastos
com os grandes eventos esportivos, Copa e Olimpíada.
Para os especialistas, ainda é cedo para prever
as consequências de longo prazo dos atos de quinta. Mas, segundo eles, um
caráter inédito dessa mobilização popular é a insatisfação geral dos
brasileiros com as instituições que os representam e com os partidos políticos
que as comandam.
Segundo Márlon Reis, juiz de direito no Maranhão,
cofundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e um dos
idealizadores da Lei da Ficha Limpa, o Brasil mudou nesta semana. "Já tem
algo inédito que é a ida às ruas sem a liderança de instituições constituídas.
Historicamente, foram os partidos que sempre conseguiram levar pessoas às
ruas."
A antropóloga Yvonne Maggie, professora da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e colunista do G1, afirmou
que "o Brasil se transformou em uma espécie de motim. É protesto, mas num
estilo sem liderança, numa visão até romântica. As manifestações partem de
grupos variados, com várias estratégias”.
As bandeiras e a participação individual, com
rejeição a qualquer tipo de liderança, chamaram a atenção de Yvonne. “Era cada
cartaz um post, cada post um indivíduo. Mas o que mais me impressionou foi a
consciência de que todas as pessoas que estavam lá estão tendo a força do povo
revoltado, eles não querem liderança.”
Segundo a historiadora Maria Aparecida de Aquino, da
Universidade de São Paulo (USP), em termos de quantidade de pessoas na rua
aglomeradas, o movimento maior do Brasil ainda é o das Diretas Já, quando um
comício reuniu um milhão de pessoas apenas no Anhangabaú, em São Paulo. Porém,
ela afirma que o movimento atual é novo no sentido de como se organiza. "O
chamado se faz pela internet e as pessoas aceitam o chamado pela internet e
entram no movimento."
Enquanto governos calculavam prejuízos, manifestantes avaliavam os protestos e familiares
enterravam os dois mortos dos atos de quinta, em Ribeirão Preto (SP) e Belém, novos protestos continuavam a eclodir nesta
sexta-feira (21). Para Frederico Almeida, coordenador do curso de direito
da FGV, pode-se falar em dois movimentos: o primeiro, motivado pelas tarifas, e
um segundo momento, em que mais pessoas aderiram motivados por uma insatisfação
geral, principalmente após a repressão da polícia. "O que estamos vendo
hoje é uma mistura de algum resquício de um movimento pela tarifa, que em algumas
cidades ainda não se resolveu, com um movimento de insatisfação geral."
Para Claudio Couto, sociólogo e professor da Fundação
Getúlio Vargas (FGV), os episódios registrados nas ruas têm deixado analistas e
a classe política confusos e perplexos, o que, na avaliação dele, fez com que a
presidente Dilma Rousseff não viesse a público na quinta e deixasse seu pronunciamento apenas para esta sexta.
"Está todo mundo muito perdido, imagino que ela também esteja. Daí decorre
que ela precisa vir a público sabendo o que dizer. Se ela erra o tom do que diz
pode gerar mais ruído ainda. Eu interpretaria esse silêncio de uma dificuldade
de definir exatamente o que deve ser dito a partir de agora", disse Couto,
na tarde desta sexta, antes de o pronunciamento de Dilma ir ao ar.
Vitórias dos manifestantes
Demanda inspiradora dos atos, a redução da tarifa do transporte público foi
atendida após duas semanas de protestos e confrontos nas ruas por prefeitos e
governadores de São Paulo, Rio de Janeiro e mais de dez cidades.
A persistente pressão popular fez com que o discurso dos governantes mudasse.
Fernando Haddad e Eduardo Paes, prefeitos de São Paulo e Rio, e Geraldo Alckmin
e Sérgio Cabral, governadores dos dois estados, que no início do mês
descartavam qualquer revogação do reajuste, sob pretextos de que eles eram tecnicamente
impossíveis, recuaram na noite de quarta-feira (19) e atenderam à demanda.
O engenheiro civil Lúcio Gregori, que foi secretário
municipal de Transporte de São Paulo na gestão da ex-prefeita Luiza Erundina, a
recapitulação das prefeituras mostra que não só a redução era possível.
"Isso é tudo um pouco de catimba, como a gente chama no futebol",
afirmou ele.
"Admitindo que todas as contas de cálculo
tarifário estejam certas, então isso é questão de remanejamento de verbas,
coisa corriqueira numa administração pública. A Prefeitura de São Paulo tem
manobra orçamentária, pode remanejar até 15% da verba. Não pode tirar de coisas
importantes, mas pode tirar, por exemplo, da verba publicitária. O que não
precisa é ameaçar como se fosse uma punição."
Em meio às manifestações, outros governantes
decidiram dar mais ouvido às demandas relacionadas ao transporte e a outras
áreas sociais. Em Macapá e Belém, prefeitos aceitaram receber líderes dos
protestos para falar sobre as tarifas. Na capital do Amapá, além da passagem
congelada até 2014, o prefeito prometeu um estudo para implantar uma linha de
ônibus 24 horas, implantação do bilhete único até o fim do ano, aumentar a
frota de ônibus e construir três terminais.
Alagoas anunciou redução de IPVA para ônibus e
ICMS sobre o combustível para que as empresas mantenham os preços.Em Campo
Grande, a Câmara suspendeu o café da manhã reforçado polêmico que era oferecido
aos vereadores. E, a exemplo da capital paulista, em Maringá (PR) deverá ser
criada uma CPI do transporte coletivo. Apesar das manifestações, não houve
mudanças em alguns estados como Bahia, Ceará, Roraima, Rondônia, Piauí e
Maranhão.
Para Frederico Almeida, da FGV, a meta do Movimento
Passe Livre (MPL) foi atingida porque o grupo desenvolveu uma pauta, constituiu
um interlocutor e trabalhou para conseguir o que queria. Agora, as demais
reivindicações são genéricas, superficiais e não há uma liderança definida
para, por exemplo, definir a meta de quem é contra a corrupção e responder a
essas pessoas. "Há dois riscos desse tipo de movimento mais difuso. Um é
ele se esvaziar porque na verdade é uma conversa de muita gente falando ao
mesmo tem sem um interlocutor definido. O segundo é isso se acirrar como uma
incapacidade de diálogo das manifestações com o sistema político. Se de repente
cria um descolamento total desse sistema com o povo que está na rua, a gente
corre um risco de perder a nossa democracia.”
A violência da Polícia Militar
Os especialistas afirmam que parte da motivação das centenas de milhares de
pessoas que decidiram aderir aos movimentos foram as imagens da força excessiva
aplicada pela Polícia Militar de São Paulo para dispersar o ato do dia 13 de
junho, que deixou dezenas de feridos, inclusive mais de dez jornalistas. Após
esse protesto, as balas de borracha foram proibidas nas manifestações
populares. Nas manifestações da última quinta, pelo menos oito cidades tiveram
confrontos com a polícia que deixaram mais de 200 feridos. Nesta sexta, a
postura policial virou alvo de escrutínio em cidades como Porto Alegre e Salvador.
"A polícia agiu massacrando manifestantes
pacíficos e atuando de forma indiscriminada", avaliou Claudio Couto, da FGV. "Isso
gerou uma reação que resultou na manifestação de segunda-feira que propiciou o
engrossamento do movimento –o que, a princípio, foi uma grande vitória."
Professor de sociologia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
(IFCS), Marco
Aurelio Santana afirma que a postura do Estado está sendo
questionada, pela forma pouco preparada ou violenta como age.
"Temos de estar todos preocupados. Eles querem tirar pessoas da
mobilização social, isso é um problema para todos porque é a liberdade que está
em jogo. A manifestação tem sido um cartaz contra o aborto, outro pró-aborto. É
preciso entender também que não há democracia sem essas instituições, se não
pode haver uma crise de proporções nunca vistas. Esse grupo mistura torcidas
organizadas, skinheads, verdadeiras milícias fascistas. Quando você tira um,
você tira todo mundo. Nem a polícia pode agir desta forma.”
A nova geração de protestos
Ricardo
Monteagudo, professor de filosofia da Universidade Estadual Paulista
(Unesp) de Marília, chamou a atenção para o papel da internet e das redes
sociais nos protestos.
"Todo mundo foi pego de surpresa: os
organizadores, os líderes políticos, a população em geral. A impressão que dá é
que não conseguíamos mensurar certa insatisfação espalhada no ar e que emergiu
de uma hora para outra.”
As múltiplas e individuais bandeiras também
foram a novidade percebida pelo antropólogo inglês e professor emérito da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Peter Fry.
“O interessante é que cada um coloca suas
próprias queixas naquilo que vê. É uma espécie de insatisfação generalizada,
como muitos têm dito. Está tudo em cartazes amadores, escritos à mão”, diz.
“É uma explosão de insatisfação, sem liderança.
Nunca vi neste país do futebol as pessoas abrirem mão da Copa a favor da
educação e da saúde. As pessoas recusando pão e circo pelas coisas que acham
mais importante”, explicou o antropólogo.
Marco
Aurelio Santana, também da UFRJ,
afirma, porém, que é preciso também repensar os limites de um movimento com
muitas bandeiras, contraditórias, algumas que se anulam entre si.
"Minha preocupação hoje é com um foco de
que há reação compreensível com o desgaste dos partidos, dos sindicatos, até
clichê, quase óbvio. Minha preocupação é que esse sentimento tenha se tornado
tão claro para grupos para se espancar filiados a alguns partidos."
A reação dos políticos
O protesto em Brasília reuniu cerca de 60 mil pessoas na quinta-feira e passou
pelo Palácio do Planalto atrás da presidente Dilma
Rousseff.
A mandatária, porém, deixou o local e sua única
atitude pública foi convocar uma reunião com ministros para a manhã desta
sexta-feira (21). Após o encontro, ela não deu declarações, mesmo após pedidos
da população e dos parlamentares, e marcou um pronunciamento
para a noite.
Para Claudio Couto, da FGV, "ela certamente não
está ainda conseguindo saber o que dizer".
Além de Dilma, chefes do Executivo de diversas
cidades e estados também tentam se adaptar ao novo tom de voz da população.
Direta ou indiretamente ligadas aos protestos, alguns projetos de lei e
decisões avançaram ou foram adiadas de acordo com as reivindicações das ruas. Uma
das decisões do Congresso foi adiar a votação da PEC 37, antes agendada para a
semana que vem. A proposta retira poder de investigação criminal do Ministério
Público e é conhecida como "PEC da Impunidade". O projeto que
flexibilizaria a Lei da Ficha Limpa também saiu da pauta.
Para o juiz Márlon Reis, essas duas decisões são efeito
imediato dos movimentos, que também devem servir para que a reforma política
seja fortalecida.
“Isso deve implicar em outras mudanças porque,
se os líderes institucionais forem sábios, em vez de levar suas bandeiras pra
dentro desses movimentos, de tentar encontrar interlocutores para se negociar,
eles vão ter que ouvir o que estão dizendo. A postura dos líderes tem que ser
de humildade. Essas vozes todas traduzem expressões do que pensa a maioria da
sociedade”, afirma.
Segundo ele, esses movimentos são resultado do
aumento da exclusão, de uma falência no sistema eleitoral e de representação.
“Os primeiros atos que ocuparam prédios públicos
foram voltados ao parlamento, assembleias, Congresso Nacional. É muito
simbólico isso. Gostaríamos de estar representados. E essa contínua falta de
sermos ouvidos só aumenta a indignação”, afirma.
“Isso veio se acumulando. Teve a escolha do
Feliciano, escândalos, CPI do Cachoeira que foi arquivada com um relatório
lacônico. É uma tática de varrer lixo para debaixo do tapete. E tudo isso na
verdade, é o contrário, isso vai gerando uma energia contida, que uma hora
explode.”
Para Frederico Almeida, professor da FGV, os partidos e
o sistema político precisam se reinventar. "Eles têm que abrir
canais para receber essas demandas e dar encaminhamento a elas. Cabe ao sistema
político identificar essas pautas e promover uma agenda, uma discussão aberta.
Agora é o momento que o sistema político tem que reagir. E tá demorando pra
reagir.”
A visão do Brasil no mundo
A proporção que os protestos tomaram, e a violência com que eles foram
reprimidos nos primeiros dias, também chamaram a atenção da imprensa internacional.
Acostumado nos últimos tempos a figurar nos jornais do exterior com notícias da
Copa das Confederações e dos preparativos para a Copa do Mundo e a Olimpíada de
2016, o Brasil entrou na lista de países com revoltas populares expressivas e
ganhou protestos de apoio em dezenas de cidades estrangeiras.
Antropólogo inglês e professor emérito da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Peter Fry afirma que os protestos mudaram a visão
que o mundo tem sobre as dificuldades que se enfrentam no país.
"Toda a propaganda do Brasil lá fora era no
sentido oposto, de que tudo estava melhor e bem por aqui. Acho que deve ter
mudado. Devem estar se perguntando como o Brasil vai se justificar."
Segundo ele, o resto do mundo deve ter ficado
perplexo com os acontecimentos das últimas semanas. sobretudo porque o futebol
também foi mencionado pelos cartazes.
"Acho que a frase que pede padrão Fifa para
o país é genial, é genial pedir isso para educação e saúde. Porque tudo o que a
Fifa pediu, o país começou a fazer. Mostra que é uma questão de vontade, que se
quer pode fazer."
Maria
Aparecida de Aquino, professora da USP, a repercussão internacional foi a altura do
movimento.
"Ela demonstrou o que é que o movimento tem
de importante para a realidade nacional. Eles reagiram muito claramente dizendo
‘é um movimento significativo, as pessoas precisam estar atentas’. A reação
internacional mostrou mais que a reação interna esse sentido de urgência que o
movimento dá."
SOCIÓLOGO DIZ QUE MOBILIZAÇÃO E ATO DO RIO FORAM HISTÓRICOS
O ato que reuniu cerca de 300 mil pessoas na
noite de quinta-feira (20), no Centro do Rio, vai ficar na história da cidade,
segundo o sociólogo Ignácio Cano, da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (Uerj). Primeiro por agregar participantes de todas as idades, raças,
classes, credos e ideologias. Depois por ter conquistado uma de suas principais
reivindicações. Mas, segundo o sociólogo, principalmente por demonstrar o peso
que as redes sociais têm para o mundo tudo, inclusive o Rio de Janeiro.
“O Rio já foi palco de outras grandes
mobilizações, como a promovida pelos royalties do petróleo. Mas esta foi de
iniciativa dos jovens e não teve a participação de sindicatos, partidos
políticos ou organismos de classe. E mostrou uma força muito grande, mesmo. O
movimento, que teve como principal bandeira a redução das tarifas de ônibus,
conquistou seu objetivo explícito.” Cano se disse impressionado com o grau de
mobilização e organização obtido pelo ato. E destacou a tendência mundial de
utilização das redes sociais para expressar a vontade da população.
“Antes era imprescindível a participação de
partidos políticos, organismos como sindicatos, para atingir e atrair tantas
pessoas. As pessoas sozinhas não tinham uma capacidade assim tão grande, não
tinham essa organização. As redes sociais mudaram essa percepção e causaram um
impacto nas pessoas. Elas agora percebem que têm como expressar suas opiniões,
seus desejos, suas reivindicações. Elas têm o direito de se colocar diante dos
fatos”, analisou Cano, dizendo que essa é uma tendência mundial, que começou no
Egito e se alastrou por vários cantos do mundo.
Para o sociólogo, as depredações e violência
são praticadas por grupos radicais, que querem colocar o movimento sob
suspeição.
"São pessoas que escondem o rosto e
aproveitam a multidão para cometer atos criminosos, coisas que não teriam
coragem de fazer se estivessem sozinhas. São pessoas que querem desacreditar o
movimento, que querem desmobilizar a opinião pública, que com atos lamentáveis
deixam a população com medo, o que faz com que elas coloquem os objetivos do
grupo sob suspeita", lamentou o sociólogo.
PONTOS LEVANTADOS PELOS ANALISTAS
1- Protestos se destacam pela falta de
liderança e pela mobilização pela internet
2- Motivação é insatisfação difusa: contra
injustiças, corrupção, serviços ruins e falta de representatividade de partidos
e instituições
3- Governos demoraram para reagir, em alguns
casos por não entender a motivação
4- Imagem do Brasil mudou para o mundo
5- Tolerância à violência policial diminuiu
6- Pauta inicial era mais à esquerda e depois
incluiu reinvidicações da direita
7- Não é possível prever efeitos a longo
prazo
* Com reportagem de Alba Valéria Mendonça,
Ana Carolina Moreno, André Schröder, Giovana Sanchez, Rosanne
D'Agostino e Simone Cunha, do G1 em São
Paulo
http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/06/atos-sao-maior-mobilizacao-sem-lider-da-historia-brasileira-dizem-analistas.html