domingo, 20 de julho de 2014

84 - Bretton Woods: 70 anos


Os 70 anos da Conferência de Bretton Woods: dois artigos que saíram no jornal o Globo de hoje.

A CONFERÊNCIA DE BRETTON-WOODS: UM ESPELHO DISTANTE...

Bases da ordem econômica do pós-guerra foram traçadas no encontro em 1944

Luiz Carlos Delorme Prado - Professor do Instituto de Economia da UFRJ

Em um mundo repleto de encontros entre chefes de estado, reuniões de cúpulas, fóruns internacionais, há, hoje, um imenso ceticismo sobre a capacidade de uma conferência financeira internacional enfrentar os complexos problemas da ordem econômica mundial. No entanto, há 70 anos, por três semanas, entre o dia 1º e 22 de julho de 1944, reuniram-se no Mount Washington Hotel, em Bretton Woods, New Hampshire, nos Estados Unidos, 174 delegados de 44 países, para negociações que estabeleceram as bases da ordem econômica internacional do pós-guerra.

O contexto da reunião foi único – por um lado, marcava a consolidação da hegemonia econômica e política norte-americana – obtendo para o dólar uma posição de “privilégio exorbitante”, como acusou, na década de 1960, o ministro da fazenda da França, Giscard D’Estaing. Por outro lado, criou uma ordem internacional que permitiu, durante pouco menos de três décadas, a mais elevada taxa de crescimento da economia mundial jamais registrada, acompanhada por pleno emprego e crescimento dos direitos sociais, com a expansão do Estado de Bem-Estar Social – um período chamado pelos historiadores britânicos (como Hobsbawm) de “Golden Years” e franceses (como Jean Fourastié) de “Les Trente Glorieuses”.

Duas figuras históricas destacaram-se no encontro: pelo lado britânico, no apogeu da sua maturidade, John Maynard Keynes; pelo lado americano, um dos grandes quadros do Departamento do Tesouro desse país, Harry Dexter White.

O Brasil teve uma presença relevante. A delegação brasileira, com treze delegados, foi chefiada por Artur de Souza Costa, então Ministro da Fazenda. Entre seus integrantes estavam alguns economistas que tiveram grande influência no debate e na formulação de políticas econômicas no Brasil. Entre eles, Francisco Alves dos Santos-Filho, que seria Diretor Executivo do FMI (1946-1948) e representante brasileiro no Banco Mundial; o rico e influente empresário Valentin Bouças e, ainda, Eugênio Gudin, Octávio Gouvea de Bulhões e Roberto Campos. As discussões foram organizadas em três comissões. Souza Costa, chefe da delegação brasileira, presidiu um dos quatro comitês da Comissão I, coordenada por White, que tratava da criação e do funcionamento do FMI, um dos temas mais espinhosos da conferência.

O principal objetivo era evitar que a economia mundial posterior à Segunda Guerra Mundial repetisse a trágica história econômica do período entre as duas guerras. Em especial, temia-se a repetição do impacto causado na vida de milhões de pessoas em decorrência do desemprego e da desorganização da economia provocada pela Grande Depressão. Keynes defendeu com tenacidade e brilhantismo a construção de um novo Sistema Monetário Internacional que definitivamente abandonasse os erros do antigo Padrão Ouro. Apesar das dificuldades, conseguiu que fossem aceitas algumas de suas propostas mais importantes. Ao final, como dizia Churchill, os Estados Unidos faziam a coisa certa, depois que fracassaram todas as outras alternativas.

A ordem econômica criada por Bretton-Woods tinha qualidades que superavam, em muito, seus maiores defeitos. Quando essa ordem foi abandonada, na década de 1970, o mundo viu-se novamente sujeito à crescente instabilidade financeira. Ao final, em 2008, eclodiu uma nova crise internacional em muitos aspectos similar à da década de 1930. Nada indica, porém, que seja possível repetir nos dias atuais uma negociação com a envergadura e a profundidade da empreendida naqueles dias de verão no resort americano.

Em um mundo repleto de encontros entre chefes de estado, reuniões de cúpulas, fóruns internacionais, há, hoje, um imenso ceticismo sobre a capacidade de uma conferência financeira internacional enfrentar os complexos problemas da ordem econômica mundial. No entanto, há 70 anos, por três semanas, entre o dia 1º e 22 de julho de 1944, reuniram-se no Mount Washington Hotel, em Bretton Woods, New Hampshire, nos Estados Unidos, 174 delegados de 44 países, para negociações que estabeleceram as bases da ordem econômica internacional do pós-guerra.

O contexto da reunião foi único – por um lado, marcava a consolidação da hegemonia econômica e política norte-americana – obtendo para o dólar uma posição de “privilégio exorbitante”, como acusou, na década de 1960, o ministro da fazenda da França, Giscard D’Estaing. Por outro lado, criou uma ordem internacional que permitiu, durante pouco menos de três décadas, a mais elevada taxa de crescimento da economia mundial jamais registrada, acompanhada por pleno emprego e crescimento dos direitos sociais, com a expansão do Estado de Bem-Estar Social – um período chamado pelos historiadores britânicos (como Hobsbawm) de “Golden Years” e franceses (como Jean Fourastié) de “Les Trente Glorieuses”.

Duas figuras históricas destacaram-se no encontro: pelo lado britânico, no apogeu da sua maturidade, John Maynard Keynes; pelo lado americano, um dos grandes quadros do Departamento do Tesouro desse país, Harry Dexter White.

O Brasil teve uma presença relevante. A delegação brasileira, com treze delegados, foi chefiada por Artur de Souza Costa, então Ministro da Fazenda. Entre seus integrantes estavam alguns economistas que tiveram grande influência no debate e na formulação de políticas econômicas no Brasil. Entre eles, Francisco Alves dos Santos-Filho, que seria Diretor Executivo do FMI (1946-1948) e representante brasileiro no Banco Mundial; o rico e influente empresário Valentin Bouças e, ainda, Eugênio Gudin, Octávio Gouvea de Bulhões e Roberto Campos. As discussões foram organizadas em três comissões. Souza Costa, chefe da delegação brasileira, presidiu um dos quatro comitês da Comissão I, coordenada por White, que tratava da criação e do funcionamento do FMI, um dos temas mais espinhosos da conferência.

O principal objetivo era evitar que a economia mundial posterior à Segunda Guerra Mundial repetisse a trágica história econômica do período entre as duas guerras. Em especial, temia-se a repetição do impacto causado na vida de milhões de pessoas em decorrência do desemprego e da desorganização da economia provocada pela Grande Depressão. Keynes defendeu com tenacidade e brilhantismo a construção de um novo Sistema Monetário Internacional que definitivamente abandonasse os erros do antigo Padrão Ouro. Apesar das dificuldades, conseguiu que fossem aceitas algumas de suas propostas mais importantes. Ao final, como dizia Churchill, os Estados Unidos faziam a coisa certa, depois que fracassaram todas as outras alternativas.

A ordem econômica criada por Bretton-Woods tinha qualidades que superavam, em muito, seus maiores defeitos. Quando essa ordem foi abandonada, na década de 1970, o mundo viu-se novamente sujeito à crescente instabilidade financeira. Ao final, em 2008, eclodiu uma nova crise internacional em muitos aspectos similar à da década de 1930. Nada indica, porém, que seja possível repetir nos dias atuais uma negociação com a envergadura e a profundidade da empreendida naqueles dias de verão no resort americano.

BRETTON WOODS, 70 ANOS: FORA DA NOVA ORDEM MUNDIAL

No aniversário do histórico encontro, economistas defendem negociações para reforma de FMI e Banco Mundial

por Flávia Barbosa, correspondente

WASHINGTON - Em julho de 1944, 730 delegados de 44 países se reuniram no estado de New Hampshire, nos EUA, para a Conferência de Bretton Woods (em homenagem à cidade-sede da cúpula), com a missão de refundar a ordem econômica global. Sob a inspiração do economista britânico John Maynard Keynes e a articulação de Harry Dexter White, do Tesouro americano, as negociações estabeleceram as bases para o funcionamento da economia mundial, com um regime de câmbio fixo atrelado ao dólar e lastreado em ouro; a criação das instituições multilaterais de socorro – Fundo Monetário Internacional (FMI) — e reconstrução e desenvolvimento – Banco Mundial (Bird); e o rascunho dos princípios para o que três anos mais tarde seria o Acordo Geral de Tarifas do Comércio (GATT,embrião da OMC). Setenta anos depois, dizem os especialistas, mais do que celebrar o legado de Bretton Woods, as nações precisam se inspirar naquela jornada e ter a coragem política de começar discussões para uma nova arquitetura econômica e financeira mundial.

— O mundo precisa de novas negociações, à luz das transformações das últimas décadas — afirma Robert Johnson, diretor do Instituto para o Novo Pensamento Econômico e ex-integrante da comissão da ONU encabeçada pelo nobel Joseph Stiglitz para reforma do sistema monetário internacional. — Bretton Woods foi grandioso porque havia a consciência de que os países precisavam uns dos outros. Agora há necessidade, mas podem as nações reconhecê-la e se comprometerem? É possível hoje construir o entusiasmo do consenso?

Bretton Woods foi fruto do senso de urgência da comunidade internacional, lembra Marcos Troyjo, diretor do Brics-Lab da Universidade de Columbia. Naquele 1944, o mundo completava duas décadas e meia de vida no abismo, com episódios de hiperinflação, o crash da Bolsa em 1929, a depressão dos anos 30 e a devastação provocada pela Segunda Guerra Mundial, que acabaria menos de um ano depois.

Neste período, notadamente as nações europeias e o Japão esgotaram seus ativos financeiros (reservas em dólar e libra, ouro), suas estruturas econômicas estavam capengas e o comércio global, travado. Diante de tamanho desafio, a resposta dos aliados foi coordenação. Para religar as engrenagens das economias, foi criado um sistema de câmbio fixo, no qual todas as moedas se atrelaram ao dólar e os EUA a lastreavam em ouro.

O regime – ao permitir a conversibilidade das moedas – restaurou a capacidade de os países realizarem grandes transações comerciais e financeiras. Havia controles de capitais. Como os recursos eram escassos, o FMI foi criado como instituição de socorro para casos de falta de liquidez no mercado. E, com a Europa em frangalhos, o Banco Mundial – que nasceu Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) – surgiu como instituição de fomento.

— A estabilização e a retomada do crescimento, com renovado fluxo de comércio, são os grandes legados de Bretton Woods. O sistema permitiu ainda o renascimento de um mercado de capitais e o desenvolvimento da Europa. Mais de 20 anos depois, a experiência era tão bem-sucedida, com trocas comerciais e financeiras intensas, que o câmbio fixo tornou-se insustentável e caiu em 1971, inaugurando a era de câmbio flutuante na qual vivemos — explica Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do FMI e professor de Harvard.

Desde então, os últimos 40 anos foram marcados pela globalização, com a internacionalização das finanças e do comércio. Um volume brutal de capitais passou a circular diariamente entre nações e os bancos começaram a operar sem obedecer fronteiras. Novos instrumentos financeiros surgiram. Os EUA, que ditaram sozinhos os rumos dos primeiros 25 anos após Bretton Woods, ganharam rivais, em um mundo multipolar com gigantes comerciais como Alemanha e Japão e a emergência da China como superpotência econômica.

Estas mudanças, diz Robert Johnson, trouxeram instabilidade e elevado risco de contágio. De um lado, o câmbio flutuante absorve melhor choques externos, ajustando a cotação das moedas frente ao dólar sem que os governos tenham que exaurir reservas ou se endividar para cobrir rombos em conta corrente. Por outro, movimentos bruscos e vultosos, de entrada ou saída de capitais, descompensam as economias, retiram competitividade, favorecem a formação ou fazem estourar bolhas de ativos e deixam os sistemas bancários vulneráveis.

REGULADOR ‘COM MAIS DENTES’

Em outras palavras, o sistema monetário e financeiro é chegado a crises – e houve mais de uma centena delas desde a década de 70, com destaque para a Asiática, de 1997, e a global, de 2008, da qual o mundo ainda se recupera. E com os agentes interagindo como se não houvesse fronteiras, as nações perderam poder de fogo para colocar ordem na casa.

Reside aí o desafio central da comunidade internacional, diz Robert Johnson. É preciso entender melhor as ramificações dessa imensa quantidade de capitais financeiros que circula sem regulações:

— Vimos depois da crise de 2008 e da política monetária expansionista dos EUA, por exemplo, muitas medidas de controles de capitais, como no Brasil. Também deve-se reexaminar o sistema monetário, pois temos a China, com seu tamanho, administrando câmbio, o que causa assimetrias, o mundo vem tendo que se ajustar à competitividade que os chineses criam. E ainda precisamos repensar o papel desta superacumulação de reservas internacionais. Quando governos reúnem essas grandes quantidades de riquezas para proteção, há implicações para o sistema global e precisamos discuti-las.

Kenneth Rogoff vai além. Como outros economistas, defende a criação de um órgão regulador global do sistema financeiro, “com mais dentes” do que os fóruns e mecanismos que existem atualmente:

— Nós temos bancos e mercados financeiros globais, mas uma enormidade de diferentes regulações nacionais, precisamos achar uma forma de integrá-las, para dar ao sistema mais estabilidade. O problema é que a crise de 2008 nos jogou em outra direção, houve uma grande retração da globalização financeira e das políticas monetárias e regulatória. É hora de coordenação.

http://oglobo.globo.com/economia/a-conferencia-de-bretton-woods-um-espelho-distante-13309671



 

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