Pessoal, segue um texto de minha autoria sobre a ascensão do Japão nas décadas que antecederam a Primeira Guerra Mundial. Utilizem-no como referência para o esquema da aula sobre o Japão e o contexto internacional de 1895-1914
A ascensão do Japão
Por volta de 1850, o Japão era um país agrário e feudal, isolado do Ocidente. Meio século depois, o país era a única potência industrial e capitalista não-ocidental do mundo. A modernização japonesa foi um dos acontecimentos mais extraordinários da segunda metade do século XIX. Ela marcou profundamente a história contemporânea da Ásia e limitou o poder das potências ocidentais no Extremo Oriente.
1. Antecedentes
Na primeira metade do século XIX, o Japão vivia sob uma espécie de feudalismo, com uma monarquia fraca (embora o imperador fosse considerado divino) e uma classe dominante de senhores feudais, os daimios – a famílias nobres dos guerreiros samurais. O poder central, na prática, estava com o xogun (generalíssimo ou comandante militar supremo), cargo que, desde 1600, era ocupado pelos Tokugawa, uma destacada família da nobreza japonesa. Com apoio dos daimios, o xogunato mantinha o país fechado e sem contatos com o Ocidente desde o século XVII, por temer que a influência ocidental abalasse as estruturas tradicionais de poder. O comércio internacional era quase inexistente e muito controlado. O Japão conseguiu preservar suas tradições culturais mas o país ficou tecnologicamente atrasado, não conseguindo acompanhar o desenvolvimento econômico do Ocidente gerado pela Revolução Industrial. Esse atraso deixou os japoneses em desvantagem militar e impediu que eles resistissem às pressões do imperialismo ocidental nas décadas de 1850 e 1860.
2. A abertura do Japão (1854-1867)
O isolamento do Japão foi rompido pelos EUA, em 1853, com a chegada de uma esquadra americana comandada pelo comodoro Mattew Perry, que exigiu das autoridades japonesas o direito de usar alguns portos do Japão. Em março de 1854, o Japão assinou o Tratado de Kanagawa, que abriu dois portos ao comércio com os EUA. Nos anos seguintes, outros tratados semelhantes foram assinados com as potências européias. As elites japonesas sentiram-se ameaçadas pelos tratados comerciais e pelos estrangeiros. Em 1863-1864 alguns daimios e seus samurais entraram em confronto com os americanos, britânicos, franceses e holandeses e, em represália, cidades japonesas foram bombardeadas pelos navios ocidentais. Os xoguns, impotentes para enfrentar os estrangeiros, perderam prestígio. Disputas entre daimios rivais e revoltas de samurais marcaram os anos de 1864-1867, deixando o país praticamente em guerra civil. Um grupo de nobres e mercadores passou a defender a modernização do Japão para salvá-lo da dominação ocidental Esse grupo aproximou-se da corte imperial e começou a agir para fortalecer a monarquia. Em novembro de 1867, o último xogun, Keiti, renunciou, pondo fim ao xogunato.
3. A Revolução Meiji (1868-1889)
Meiji (“luzes”) foi o nome do reinado do imperador Mutsuhito (1867-1912), que liderou a Revolução ou Restauração Meiji, o movimento político que iniciou a construção do Japão moderno. A Revolução Meiji foi uma “revolução pelo alto” – uma revolução feita pelo governo e por setores da classe dominante, com apoio dos comerciantes, que eliminou a antiga estrutura feudal japonesa e fortaleceu o Estado com a intenção de modernizar o país no sentido do desenvolvimento industrial e capitalista. Principais medidas: (I) fortalecimento da monarquia; (II) abolição do feudalismo: os feudos foram transformados em distritos administrativos; os camponeses deixaram de pagar taxas para os nobres, passando a pagá-las para o Estado, que aumentou os seus recursos; os daimios passaram a receber pensões do governo; a ordem dos samurais foi eliminada (que reagiram com a Rebelião de Satsuma, em 1877, sufocada); (III) maior contato com o exterior: o comércio internacional foi incentivado, o governo contratou assessores ocidentais e enviou japoneses para estudarem no exterior e conhecerem as técnicas e os métodos administrativos, econômicos e militares do Ocidente; (IV) modernização das forças armadas, do ensino e da justiça: baseadas em modelos europeus; (V) criação do Banco do Japão: captou recursos e poupança que auxiliaram no financiamento da industrialização; (VI) industrialização do país: inicialmente promovida pelo Estado com recursos públicos, posteriormente as indústrias foram privatizadas e transferidas para os daimios e burgueses, formando os zaibatsu (as poderosas corporações empresariais); e (VII) Constituição de 1889: o Japão tornou-se uma monarquia parlamentar.
4. O imperialismo japonês
A Revolução Meiji modernizou e industrializou o Japão, transformando-o numa potência imperialista capaz de disputar com o Ocidente territórios no Extremo Oriente, principalmente na China. O imperialismo japonês começou na Era Meiji sob a monarquia de Mutsuhito. Na Guerra Sino-Japonesa (1894-1895), precipitada pela disputa entre Japão e China pela Coréia (um Estado vassalo da China), os chineses foram derrotados. De acordo com o Tratado de Shimonoseki (abril 1895), o Japão ficou com Taiwan, as Ilhas Pescadores e a Península de Liaotung, na Manchúria (norte da China), onde está localizada a cidade estratégica de Porto Artur (Lushun). A Coréia ficou independente, mas a influência japonesa cresceu sobre o país. A ascensão do Japão levou-o a entrar em confronto com as potências ocidentais, sobretudo a Rússia, que também estava em expansão no norte do Pacífico. A Coréia e, especialmente, a Manchúria, era alvo do imperialismo russo. De fato, junto com a Alemanha e França, a Rússia forçou o Japão a devolver a Península de Liaotung à China (a “Tripla Intervenção” em 1895). Para a humilhação japonesa, em 1898 a Rússia assumiu o controle de Liaotung. A disputa entre Japão e Rússia ficou mais acirrada, mas o Japão conseguiu uma vantagem estratégica: uma aliança com a Grã-Bretanha (1902). Pela Aliança Anglo-Japonesa, se um dos dois países entrasse em guerra com uma única potência, o outro ficaria neutro, mas se a guerra envolvesse duas ou mais potências, o outro signatário entraria no conflito (foi o pretexto para o Japão atacar as colônias alemãs no Extremo Oriente na Primeira Guerra Mundial). O confronto com os russos pela Manchúria e Coréia estourou em 1904. Na Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), o Japão derrotou a Rússia – a primeira vitória de um país asiático sobre uma potência européia “superior”. Mas a vitória não foi de forma alguma fácil e o Japão, no final da guerra, estava exausto militar e financeiramente. De toda forma, pelo Tratado de Portsmouth (setembro, 1905), intermediado pelos EUA (presidente Theodore Roosevelt, que ganhou o Nobel da Paz por isso), o Japão adquiriu o sul das ilhas Sakhalinas, Porto Arthur e o protetorado sobre a Coréia e a Manchúria meridional. A opinião pública japonesa, contudo, ficou insatisfeita com os ganhos territoriais, considerados insuficientes, e com a ausência de pagamento de indenização. Distúrbios populares estouraram em Tóquio durante dez dias em setembro e o governo teve que impor a lei marcial. Mas o processo de expansão imperialista continuou e, em 1910, a Coréia foi anexada ao Japão. Quando Mutsuhito morreu, em 1912, o Japão era uma potência imperialista regional incontestável. Com o seu filho e sucessor, Yoshihito (reinado Taisho ou “Grande Justiça”, 1912-1926), as ambições imperiais do Japão foram ampliadas e o país acabaria entrando em confronto com a Alemanha.
Sugestões de leituras. Existem poucos livros em português sobre a história do Japão. O melhor é o de Kenneth G. Henshall, História do Japão (Lisboa, Edições 70, 2008). O de Jean Chesneaux, A Ásia Oriental nos Séculos XIX e XX (São Paulo, Pioneira/EDUSP, 1985), fornece uma boa síntese e contextualiza a história japonesa no conjunto da história asiática. Esse livro está esgotado, mas não é difícil achá-lo nos sebos. Em inglês, o A Brief History of Chinese and Japanese Civilizations, de Conrad Schirokauer (Wadsworth Publishing, 2006), é um bom manual de história comparativa Japão-China. Um dos meus preferidos para o periodo que estamos estudando é o de Andrew Gordon, A Modern History of Japan – From the Tokugawa Times to the Present (Oxford University Press, 2008). O outro é Modern History of Japan, de W. G. Beasley (Palgrave, Macmillan, 1991), que acho que está esgotado. Mas outra obra muito útil de W. G. Beasley, Japanese Imperialism 1894-1945 (Oxford University Press, 1991), sobre o imperialismo japonês e seu confronto com o Ocidente, continua sendo editado. Por fim, é sempre bom consultar o ótimo Concise Dictionary of Modern Japanese History, de Janet E. Hunter (University of California Press, 1984).
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