A Era Vargas ou República Getulista (1930-1945)
1. Aspectos gerais do período
Centralização administrativa
Fortalecimento do governo central em detrimento da autonomia dos governos estaduais e municipais
Autoritarismo
Substituição da estrutura liberal tradicional por uma de tendência ditatorial
Grande presença e apoio das Forças Armadas ao novo regime
Modernização conservadora
Modernização parcial do capitalismo dirigida por um Estado autoritário
Intervencionismo estatal na economia
Industrialização estimulada pelo governo (sem projeto premeditado e nítido, mas de forma pragmática)
Preservação da estrutura agrária tradicional (ausência de reforma agrária)
Atuação social do Estado
Legislação trabalhista e direitos sociais
Controle dos sindicatos
Nacionalismo econômico
Idealização do Estado como agente principal do desenvolvimento econômico
Ideal de reduzir a dependência econômica externa e obter o máximo de auto-suficiência (autarquia)
Mas a República pós-30 não rompeu com o capital internacional: o Estado limitou sua atuação em alguns setores, mas continuou favorecendo o investimento estrangeiro e dependendo de financiamento externo em razão da baixa poupança e da elevação dos gastos públicos
Início do populismo
Movimento ou regime político com um líder carismático, que despreza as instituições e os partidos, e busca se sustentar mobilizando as massas populares com promessas ou medidas de reformas sociais e de nacionalismo econômico, em países capitalistas poucos desenvolvidos e de fraca tradição liberal democrática.
Idealiza a conciliação ou união das classes em nome da nação
2. Antecedentes: a Revolução de 1930
Movimento político-militar que levou Getúlio Vargas ao poder
Contra o governo de Washington Luís e o continuísmo da oligarquia paulista na presidência (eleição de Júlio Prestes do PRP, março 1930)
Liderado por membros da Aliança Liberal: oligarquias de MG/RS (sobretudo o setor mais jovem ou “tenentes civis”) e os tenentes (militares rebeldes da década de 1920)
Rápido confronto armado entre revolucionários e o governo
■ 3 outubro. Revolução estourou em MG e RS (comando militar revolucionário de Góes Monteiro)
■ 4 outubro. Revolução estourou no Nordeste, na PB (comando militar revolucionário de Juarez Távora)
■ 24 outubro. Golpe militar no RJ. Forças Armadas derrubam Washington Luís e tentam assumir o poder
– Criação da Junta Provisória de Governo: generais Tasso Fragoso, Mena Barreto e Leite de Castro (Exército), e almirante Isaías Noronha (Marinha)
– A Junta recuou diante das manifestações populares e o avanço dos revolucionários que ameaça aprofundar o racha nas Forças Armadas, quebrar a hierarquia militar e causar uma guerra civil generalizada.
■ 3 novembro. Posse de Vargas na presidência do governo provisório revolucionário, prometendo reformas e uma Constituinte
Significado da Revolução de 1930
Não foi uma revolução social no seu sentido “clássico” (luta entre classes sociais distintas)
Foi mais uma disputa pelo poder entre os próprios grupos dominantes que implicou em um rearranjo e na troca da elite dirigente
Não houve participação popular, salvo as manifestações espontâneas a favor dos revolucionários, e nem uma grande ruptura na ordem social
Mas o grupo político que assumiu o poder era um bloco heterogêneo: velhos oligarcas tradicionalistas, jovens oligarcas modernizadores, tenentes e as Forças Armadas
O regime político que surgiu em 1930, em meio a crise geral do liberalismo e a Grande Depressão Mundial, precisou conciliar os interesses divergentes dos vitoriosos e atender aos interesses dos grupos urbanos em ascensão (industriais, proletariado)
O resultado foi o estabelecimento de um Estado autoritário de compromisso, constituído por civis e militares, altamente dependente das Forças Armadas, mas que também buscou legitimação junto aos trabalhadores urbanos.
3. Fases da presidência de Getúlio Vargas
Os 15 anos de governo ininterrupto de Vargas em 1930-1945 são divididos em três partes:
1930-1934 – Governo Provisório: instalado pela Revolução de 1930.
1934-1937 – Governo Constitucional: eleito indiretamente pela Assembléia Constituinte
1937-1945 – Estado Novo: ditadura instalada pelo golpe de 1937
Em 1945, Vargas foi derrubado no processo de redemocratização do Brasil
No período da República Democrática (1945-1964), ele retornou à presidência (1951-1954), eleito diretamente pelo voto popular, mas não completou esse último mandato, suicidando-se em 1954 em meio a uma grave crise política.
4. O Governo Provisório de Vargas (1930-1934)
(a) Início da centralização e do autoritarismo getulista
Vargas assume o poder executivo e legislativo
Dissolução do Congresso, legislativos estaduais e municipais
Derrubada dos governadores estaduais (menos MG, Olegário Maciel), substituídos por interventores federais nomeados por Vargas
Juarez Távora assume como Delegado do Governo Provisório para os estados do Norte (incluindo Nordeste): “Vice-Rei do Norte”
Código dos Interventores (agosto 1931): normas de subordinação dos interventores ao poder central, redução dos poderes estaduais
(b) Estreitamento das relações Igreja-Estado
Forte apoio da Igreja Católica ao novo regime
Abril, 1931. Decreto permite ensino religioso nas escolas públicas
12 outubro, 1931. Inauguração da estátua do Cristo Redentor
(c) Início do intervencionismo estatal
Criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (Francisco Campos) e do Ministério do Trabalho (Lindolfo Collor)
A política cafeeira: maior controle federal
Criação do Conselho Nacional do Café (1931), substituído pelo Departamento Nacional de Café (1933)
Compra e queima do café excedente (recursos da exportação cafeeira) em 1931-1944
Suspensão do pagamento da dívida externa (1931-1934)
A política trabalhista: objetivo de afastar a influência da esquerda (socialistas, comunistas) sobre o proletariado
Influência do corporativismo fascista da Carta del Lavoro (Itália)
Início da regulamentação das leis trabalhistas (algumas da década de 1920): jornada de trabalho de 8 h, isonomia salarial para trabalho igual, licença-maternidade, Carteira de Trabalho, férias anuais (15 dias), indenização de demissão sem justa causa
Lei da Sindicalização (1931): sindicatos submetidos ao Ministério do Trabalho
A política educacional: formar uma elite mais ampla e intelectualmente preparada
Ação governamental concentrada no ensino superior e secundário
Decreto do Estatuto das Universidades Brasileiras (1931): reorganização da Universidade do Rio de Janeiro (1931, renomeada Universidade do Brasil em 1937), criação da Universidade de São Paulo (USP, 1934) e da Universidade do Distrito Federal (1935, incorporada à Universidade do Brasil em 1939)
(d) Pressão pela democratização e constitucionalização (1931-1932)
Insatisfação de parte da população, sobretudo dos paulistas, mas também de antigos aliados de Vargas, com a continuidade da ditadura revolucionária “provisória”
O grupo revolucionário começou a ficar dividido no final de 1930 e a divisão se intensificou nos anos seguintes:
As oligarquias tradicionais pressionavam pelo retorno à normalidade constitucional, com o mínimo de mudanças
Os tenentes civis e militares pela prorrogação da ditadura revolucionária para implementar reformas modernizadoras
■ Os tenentes começaram a se organizar politicamente criando as Legiões Revolucionárias em vários estados (dezembro 1930) e, a nível nacional, a Legião de Outubro, que deu lugar ao Clube 3 de Outubro (maio 1931)
■ Eram organizações nacionalistas radicais, algumas sob forte influência do fascismo
A pressão pela constitucionalização levou Vargas a fazer concessões
Promulgação do Código Eleitoral (fevereiro, 1932): voto secreto e obrigatório, direito de voto das mulheres (RN foi pioneiro em 1927), eleições legislativas em parte com representação profissional (eleitos por sindicatos de empregados e associações patronais) e criação da Justiça Eleitoral
Decreto (maio 1932) fixa para maio de 1933 as eleições para a Assembléia Constituinte
Mas a oposição desconfiava que Vargas estava manobrando para permanecer no poder e adiar a democratização
(e) A Revolução de 1932 ou Revolução Constitucionalista de São Paulo
Revolução liderada pela oligarquia paulista, com apoio popular local, que tenta recuperar o poder em SP, derrubar Vargas e restaurar a hegemonia da elite paulista no governo federal
– Grande insatisfação com os interventores federais em São Paulo
Feita em nome da redemocratização e constitucionalização do Brasil: contra a ditadura de Vargas e pela convocação de uma Assembléia Constituinte
Criação da Frente Única Paulista (FUP, fevereiro 1932) unindo o PRP e o PD (Partido Democrático, que havia apoiado a Aliança Liberal de Vargas em 1930) pela restauração da autonomia estadual de São Paulo
Paulistas buscam apoio em outros estados para enfrentar Vargas
A criação da Frente Única Gaúcha (março 1932), de oposição a Vargas, parecia indicar um cenário nacional favorável à derrubada da ditadura getulista
Agravamento da tensão política (maio 1932)
2 maio. Greve dos ferroviários de SP alastra-se para todo operariado paulista e é reprimida violentamente pelo interventor Pedro de Toledo
23 maio. Manifestações a favor da autonomia estadual. Choque entre manifestantes e membros do PPP (Partido Popular Progressista, ex-Legião Revolucionária).
■ Morte dos jovens Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, antigetulistas
■ Suas iniciais deram origem a organização MMDC, principal agrupamento que liderou a revolução contra o governo central
9 de julho. Início da revolução em São Paulo: luta armada contra o governo de Vargas
A revolução uniu as oligarquias e a classe média, mas não contou com o apoio do operariado
Apesar da insatisfação nos outros estados com a ditadura getulista, eles também não ajudaram SP, que ficou praticamente sozinho na luta
1 outubro. Derrota e rendição paulista. Conseqüências:
Vargas percebeu que não podia ignorar a elite paulista e a pressão pela constitucionalização
■ Nomeou um interventor civil da elite local (Armando Salles de Oliveira, maio 1933)
■ Decreto do Reajustamento Econômico (1933): reduziu débito dos agricultores atingidos pela crise.
A elite paulista percebeu que teria que estabelecer algum tipo de compromisso com o poder central
(f) A constitucionalização (1933-1934)
Maio 1933. Eleições democráticas para a Assembléia Constituinte com pluripartidarismo (partidos estaduais)
Única mulher eleita: Carlota Pereira de Queirós (SP), antifeminista
Novembro 1933. Instalação da Assembléia Constituinte. Maioria dos deputados era das oligarquias recompostas.
Julho 1934. A Assembléia Constituinte promulga a Constituição e elege Vargas presidente constitucional (mandato 1934-1938 sem reeleição)
A constituição de 1934
Inspirada na República de Weimar
Federalismo com redução da autonomia estadual
Eleição direta para presidente com mandato de 4 anos
Catolicismo religião oficial
Primeira constituição brasileira com títulos que tratavam da ordem econômica e social; da família, educação e cultura; e da segurança nacional
Nacionalismo econômico: previa nacionalização progressiva das minas, jazidas minerais e quedas d’água
Leis trabalhistas e reconhecimentos dos sindicatos
Ensino primário gratuito e obrigatório
Criação do Conselho de Segurança Nacional (presidente, ministros e chefes militares)
5. O Governo Constitucional da Vargas (1934-1937)
Regime democrático instável
Agravamento da crise econômica
Aumento das greves, principalmente nos transportes, comunicações e bancos
Polarização política e choques entre esquerda (comunistas, antifascistas) e direita (fascistas)
Tendência autoritária de Vargas
Maior aproximação com as Forças Armadas
Lei de Segurança Nacional (LSN), aprovada pelo Congresso (abril 1935)
■ Definiu como crimes contra a ordem política e social:
– Greve de funcionários públicos
– Provocação de animosidade nas classes armadas
– Incitação de ódio entre as classes sociais
– Propaganda subversiva
– Organizações com objetivos revolucionários
O integralismo
Movimento fascista dos “camisas verdes” (extrema-direita)
Baseado no partido Ação Integralista Brasileira (AIB, 1932) liderado por Plínio Salgado
Principal ideólogo: Gustavo Barroso (anti-semita)
Lema: “Deus, Pátria e Família”
Símbolo: Σ (letra grega sigma utilizada na matemática como símbolo de integral)
A Aliança Nacional Libertadora (ANL)
Aliança das esquerdas (PCB, socialistas, tenentes esquerdistas, democratas radicais) fundada em março de 1935
– Modelo das Frentes Populares antifascistas pregado pelo Comintern
Presidente oficial: Hercolino Cascardo (capitão da Marinha)
Presidente de honra: Luis Carlos Prestes (no PCB desde 1934)
Programa nacionalista e reformista
– Suspensão definitiva da dívida externa
– Nacionalização das empresas estrangeiras
– Reforma agrária
– Garantia das liberdades e criação de um governo popular
Parte da ANL passou a pregar a derrubada de Vargas e a instalação de um governo revolucionário, nacionalista e popular
11 julho 1935. Decreto do governo fechou a ANL
A Intentona Comunista (1935)
Tentativa de golpe do PCB e dos militares esquerdistas contra Vargas
Participação de agentes internacionais do Comintern/URSS
Luta armada no RJ, RN e PE (novembro 1935)
Fracassou: resultou na prisão em massa de esquerdistas
Serviu de pretexto para a repressão em nome da segurança nacional
– Principal órgão da repressão era a polícia da capital federal (chefe Filinto Muller)
– Novembro, 1935. Estado de sítio/guerra (até junho 1937)
– Março, 1936. Prisão de deputados pró-ANL
– Outubro, 1936. Criação do Tribunal de Segurança Nacional
A questão sucessória (1936-1937)
Eleições presidenciais previstas para janeiro de 1938
Governo afrouxou repressão: libertação de presos políticos, fim do estado de guerra
Candidato oficial: José Américo de Almeida (ministro de Viação e Obras Públicas)
– Apoio da maioria dos estados do NE e de MG
Principal candidato oposicionista: Armando Salles de Oliveira
– Apoio de SP e dos liberais
Candidato da AIB: Plínio Salgado
Mas Vargas tramava com os militares a permanência no poder
Golpe de 1937 ou Golpe do Estado Novo
Dado por Vargas com apoio dos militares e da AIB
Pretexto: descoberta de um suposto plano de uma nova insurreição comunista (o Plano Cohen, falso)
10 novembro 1937. Golpe de Vargas instala a ditadura do Estado Novo
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